A representação do prazer feminino no Cinema
O cinema é um dos mais variados modos de expressão cultural da sociedade contemporânea. Seja de forma direta ou indireta, ele está ligado à educação desde o seu nascimento, pois pode ser uma ferramenta de instrução e reflexão de atitudes humanas. Mas será que a mulher e, principalmente, o prazer feminino, é bem representado nas telas?
Atualmente, mais do que uma ferramenta de entretenimento, o cinema também tem sido um meio de evidenciar causas sociais e políticas. A comunicação pode ser feita através de histórias reais ou fictícias, expondo pensamentos e opiniões.
Você com certeza já aprendeu algo assistindo a um filme, seja a uma animação quando criança - que lhe ensinou sobre as cores e a montar um origami - ou a um documentário em alguma plataforma de streaming - que lhe trouxe informações sobre como funciona a tecnologia digital. Legal, né?
Involuntariamente, a sua mente aprendeu coisas novas, e isso pode ter te auxiliado a resolver algum problema no futuro.
Sabendo disso, podemos garantir que a visão que você adquiriu sobre o mundo recebeu interferência do que foi assistido no decorrer da sua vida. O que nos leva a pensar:
De que maneira nós – mulheres - somos representadas na mídia, especificamente na Sétima Arte?
Esse é um assunto bem polêmico, já que em pleno século XXI, grande parte dos filmes, séries e programas de TV são escritos, roteirizados e dirigidos por homens – logo, a maioria das representações femininas que assistimos são a forma como eles nos enxergam, ou muitas vezes, como eles querem que sejamos.
Por conta disso, ao longo dos anos, os papéis femininos seguiram um script quase que datado – de mocinhas a vilãs, de personagens principais à secundárias – sempre costumamos ser representadas como frágeis, sempre aguardando ter a vida "salva" por um homem. Homem esse que, quando entrava em cena, roubava o coração da personagem e, aparentemente, a vida dela só passava a fazer sentido depois disso. E todo o esforço que ela teve na escola/trabalho? E toda a jornada de autoconhecimento enfrentada? É hora de abrir mão, porque o amor apareceu!
Quando lemos dessa forma, ficamos pensando: “Mas quem assiste isso e gosta?”, a resposta é clara: Nós assistimos e adoramos! A audiência é garantida.
Durante toda a adolescência a nossa personalidade foi moldada por comédias românticas mamão-com-açúcar e, mesmo tendo consciência de que eram irreais, sonhamos com um amor daquele jeito, com o príncipe encantado. Afinal, quem nunca quis um namorado que enchesse o quarto de velas, pétalas de rosas vermelhas e chocolates para a sua primeira vez? Aliás, alguém já parou para pensar no perigo disso - literalmente - pegar fogo?
Definitivamente não lembramos desses detalhes, mas se vamos ser sinceras aqui nesse texto, a realidade é que só queríamos um Chad Michael Murray para chamar de nosso.
A questão é que, nós crescemos e nos apegamos a essas narrativas, mas as coisas vêm mudando nos últimos anos, os poucos, as mulheres estão conquistando mais espaço no audiovisual, inclusive, a HBO vem abrangendo mais questões de gênero e dando espaço para as suas protagonistas, desde a série Big Little Lies, onde as atrizes se reuniam semanalmente para ajudar na construção de narrativas focadas em mulheres, e isso era veiculado no canal oficial da emissora no youtube. Mas ainda assim, a mudança no mundo está ocorrendo em passos lentos, e raros são os casos em que não somos estereotipadas, e que o nosso prazer e desejo é tratado de forma real.
Tendo isso em mente, você já parou para pensar de que forma esse estereótipo do nosso prazer impactou – e ainda impacta - na sua sexualidade?
A geração Y, conhecida também como millennials, cresceu em meio a um desenvolvimento constante da tecnologia, eram informações em todos os lugares: filmes, músicas, séries, internet, etc. Por uma questão cultural, a família, focada em trabalhar para garantir aos filhos uma educação tradicional, acabou deixando de lado a oportunidade de ensinar e conversar sobre assuntos importantes, como o tão temido sexo. Também por uma questão de medo, muitos adolescentes evitavam conversar com os pais sobre esses assuntos “polêmicos”.
Já que ninguém queria passar pelo constrangimento de falar sobre sexo com os parentes (ou com qualquer adulto), as informações eram adquiridas através de filmes e séries sem o menor pudor.
As Patricinhas de Beverly Hills: Podemos falar sobre sexo, mas não necessariamente entendê-lo
Clueless, ou com o título As Patricinhas de Beverly Hills no Brasil, foi um dos filmes que marcou essa geração. A personagem principal Cher (Alicia Silverstone), é uma patricinha muito legal, que não possui nenhum tipo de preocupação além de fazer compras no shopping e tirar boas notas na escola. A história foca nela e na sua melhor amiga Dionne (Stacey Dash), até surgir uma nova garota na escola, a Tai (Brittany Murphy), com seu estilo nada afeminado e aparência fora dos padrões de beleza. Encarando um desafio, Cher e Dione decidem virar amigas da Tai para deixá-la mais “atraente”.
As personagens usam roupas para chamar atenção dos meninos, e, no decorrer da narrativa, elas chegam a conclusão de que para a Tai ser “incluída” na turma, ela precisa ficar com um cara popular, o Elton.
Com toda essa trama adolescente, um ponto que podemos reparar no filme é que muito se fala sobre sexo – inclusive com os dilemas da Cher sobre a sua primeira vez – mas pouco se ensina de fato sobre ele, e isso era o máximo que poderia se esperar de um roteiro para ele não ser considerado promíscuo e vulgar na época. No final, elas percebem que não precisam de popularidade para serem descoladas e felizes – mas na vida real, a impressão que ficava era de que você nunca seria tão perfeita quanto a Cher, e nem teria um falso-irmão gato que revelaria ser o seu amor chamado Josh. Desse jeito, as expectativas sobre as suas experiências pessoais ficavam bem frustrantes!
Dos anos 90 para cá, algumas coisas mudaram – agora os filmes românticos mostram o ato sexual, um ótimo avanço, mas ainda falta muito para termos uma sincera representação da libido feminina. Não dá para acreditar que em toda relação sexual – e já na primeira tentativa – a protagonista consiga ter o orgasmo mais incrível do universo fazendo com que aquele seu parceiro se torne o objeto dos seus desejos carnais, correto? Mas infelizmente é assim que 99% das vezes é retratado, e, mesmo que indiretamente, carregamos essa informação nada educativa para as nossas vidas.
Por que elas conseguem chegar ao orgasmo tão fácil nos filmes e eu não, o que tenho de errado?
Primeiro, é claro que você não tem nada de errado, o problema está na mídia por reproduzir uma ideia de prazer e tesão ilusória.
Para o sexo ser bom para a mulher é necessário que haja muito estímulo, além de outros fatores, como o conhecimento do próprio corpo, a mente leve e uma certa liberdade de escolhas... Muitas vezes, é necessário ter maior intimidade com o parceiro para “chegar lá” – caso a relação tenha parceiro – porque sim, dá para ser muito completa com a masturbação!
Não existe uma fórmula certa para chegar ao ápice da relação, e isso as cenas de sexo com atrizes de belezas estonteantes não mostram.
Iniciar uma relação sexual tendo o orgasmo como meta pode fazer com que ele não aconteça, e essa informação é difícil de ser compreendida por mulheres que iniciaram a vida sexual repleta de expectativas. Todas as imagens que elas veem de sexo está diretamente ligada a corpos nus, sem nenhuma preliminar, em camas gigantes com lençóis cinzas Hollywoodianos.
Segundo o Portal Dicas de Mulher, a dificuldade ou ausência de orgasmos é uma disfunção mais comum do que imaginamos, e ela tem até um nome científico: anorgasmia. Isso é uma consequência de muitos fatores, entre eles estão: a falta de conhecimento do próprio corpo, acarretado por uma carência de educação sexual. Encontrou alguma semelhança com o que falamos até aqui?
Mas sem neuras, queremos justamente te libertar delas, porque tem cura! Ela pode ser alcançada com ajuda externa - através de terapia sexual, acompanhamento psicológico e reposição hormonal – ou sozinha, com o autoconhecimento.
Sexo sem Compromisso: Precisamos ser Natalie Portman para chegar ao orgasmo?
Em Sexo sem Compromisso, estrelado por Natalie Portman e Ashton Kutcher, a trama gira em torno do relacionamento inusitado de Emma e Adam, que fazem sexo constantemente, mas não tem um romance. Não é, nem de longe, um roteiro original, visto que na mesma época de lançamento surgiram vários filmes no mesmo contexto, mudando apenas os atores. Mas queremos relatar um ponto que todos têm em comum: é a personagem feminina quem insiste em manter o relacionamento no nível casual.
Agora imagina só você, adolescente, que cresceu sonhando em encontrar o seu Seth Cohen (ou será que foi só eu?), se tornar uma mulher adulta e assistir a um longa-metragem em que existe um homem perfeito, que faz a mulher ter a vida sexual dos sonhos, e – ainda assim – ela não o quer? Não gerou uma confusão na mente de vocês?
Aparentemente, o clichê que criaram para nós é de que, quando jovens, temos que ser castas para esperar a pessoa certa... E quando adultas, temos que ter autocontrole, ser firmes e não nos envolvermos de verdade.
Isso tudo aconteceu na tentativa do cinema de deixar a mulher em um papel mais valorizado, em que ela seja a dona da sua própria história, mas sem de fato ouvir as mulheres e as entenderem.
O problema é que refletir esse falso-empoderamento feminino em personagens com padrões estéticos semelhantes e, cá entre nós, muitas vezes inalcançáveis: aparentemente bem-sucedidas, que “não se importam” com o amor quando ficam adultas, mas que escondem por trás do seu estilo muito descolado uma grande carência – gera, na grande maioria das mulheres, a ideia de que elas não são suficientes, pois para ser adorada, desejada e feliz é necessário que você não queira um relacionamento.
Qual o certo agora: ser tímida e pura, ou ignorar o fato de que sim – você pode querer se relacionar?
Por alguns longos minutos, acompanhamos as transas do casal, que se vale de lugares inusitados sempre que os hormônios chamam. Seja na cama, ou na sala de cirurgia, quando um deles sente desejo, manda uma mensagem para o outro – e dessa forma, em todos os momentos (repetimos: todos!), eles atingem o orgasmo.
É realmente complicado para a mulher comparar-se à imagem que é refletida nas telas. A sensação é que deve ser muito mais fácil se sentir livre no sexo sendo poderosa como as atrizes.
Com os homens acontece o oposto, eles são incentivados desde cedo a falar sobre sexo. Nos filmes, eles são os detentores de poder, ensinados a se portarem de forma mais soberana, havendo maior liberdade, os eximindo de muita culpa – o que auxilia no processo do orgasmo. A ausência de cobranças os fazem relaxar e ter mais controle
Não podemos deixar de ressaltar que isso é uma óbvia consequência do patriarcado e do falocentrismo.
O que desejamos de verdade é que a indústria cinematográfica compre mais ideias de roteiristas e produtoras femininas, porque dessa forma a mulher poderá ser explorada em toda a sua multiplicidade – sem falsos rótulos. E só assim o seu prazer será tratado de forma mais humana e próxima da realidade.
Quem sabe, se isso acontecer, as adolescentes da próxima geração terão inspirações em personagens sexualmente livres de fato e inspiradoras.
Lady Bird e a jornada pessoal feminina: Uma representação mais real
Um bom exemplo disso é a leveza com que Greta Gerwig escreveu e dirigiu Lady Bird, um filme quase autobiográfico. Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan) é uma adolescente imatura e, muitas vezes, egoísta – e que legal ver isso no cinema! Sim, porque não somos perfeitas e a expectativa que recebemos para ser é muito dura e desafiadora. É interessante conseguir enxergar uma personagem que pode cometer erros.
Assistir a Lady Bird observar os seus dilemas quanto ao futuro, a vida e ao sexo é algo tão verdadeiro que se torna palpável.
A forma como Greta aborda a curiosidade sexual da adolescente é impecável, um retrato nítido de como é ser uma jovem mulher em um mundo cheio de machismo ao qual estamos inseridas.
A cena da primeira relação sexual é icônica. Ela vai no contraponto de todos os filmes adolescentes lançados para nós, millennials, que tentam nos dizer a todo custo que a perder a virgindade tem que ser especial, que precisa ser planejada, com um cara bonito e popular que será o nosso escolhido para todo o sempre – como se, aos 15 anos, fôssemos capazes de definir o nosso futuro por completo.
A verdade é que somos pessoas normais, transamos com pessoas também normais e, durante toda a vida, existem grandes chances de as relações sexuais não serem como planejamos.
Muita gente viveu essa frustração e sentiu como se aquela experiência que não teve prazer, não teve encantamento, simplesmente não tivesse valor ou não devesse ter existido. Um banco de trás do carro não é digno de uma boa moça, eles dizem. E se não for com o seu namorado de muitos meses ou anos, é porque tem algo errado com você. Geralmente, nas tramas adolescentes quem comete esses deslizes são as “vilãs”, as não-especiais.
São as sequências de julgamentos que tornam adolescentes atormentadas e cheias de culpa em mulheres adultas que creem na sua incapacidade de atingir o orgasmo ou gozar. Com Christine Lady Bird não é diferente.
— Eu só queria que fosse especial.
— Por quê? Você vai fazer muito sexo não especial na vida.
Esse é um dos diálogos na cena pós-sexo.
E BOOM! Um choque de realidade necessário, não é o fim do mundo. Greta Gerwing faz a sua personagem encarar isso como uma situação comum, em que ela não precisa sofrer.
A mensagem que queremos deixar para você é que não importa a falsa representatividade que as mulheres e os seus prazeres são subjugados no cinema (e na sociedade em geral), porque queremos juntas construir um novo espaço de diálogo onde se redobre o apoio, e que todas as mulheres se sintam mais livres para falar sobre sexo.
Atualmente, existe um movimento lançado pela Women in Film and Television (WIF) chamado #52FilmsByWomen, que tem como objetivo dar mais visibilidade às mulheres no cinema.
Precisamos de roteiros que destruam tabus para que as gerações mais jovens consigam falar sobre os seus prazeres de forma mais natural - como deve ser.
A atual série Bridgerton, da Netflix, inspirada na trilogia de Julia Quinn, é produzida por ninguém menos que Shonda Rhimes (sim, de Grey's Anatomy!) - e ela chegou em um ótimo momento para o público feminino. O enredo, que ainda está na primeira temporada, conta a história da família Bridgerton, atualmente focado no envolvimento de Daphe (Phoebe Dynevor) e do Duque (Regé-Jean Page).
O inovador da trama é que ela toca em um ponto ainda raro nas telas: a masturbação feminina. O Duque estimula Daphne a se tocar, e ela se descobre como uma mulher poderosa. Aqui vemos muito sexo, corpos nus de homens e mulheres, um dando prazer ao outro - e nada estereotipado. O personagem masculino é frequentemente filmado com a cabeça entre as pernas de Daphne, lhe proporcionando orgasmos por meio do sexo oral (que a gente ama!).
É muito bom assistir a algo que nos lembre do nosso poder feminino, humano e cheio de desejos! Assim como a personagem, temos que saber que, numa relação sozinha ou com um parceiro, temos direito ao orgasmo, ao gozo e a liberdade. É um lembrete para nunca sentir vergonha da natureza do nosso corpo.