Contos eróticos para mulheres: um guia completo para iniciantes
Quando pensei em escrever esse guia de contos eróticos para mulheres pela primeira vez, achei que seria engraçado usar a palavra “completo” para algo que é tão amplo e ilimitado como o erotismo, especialmente com todas as possibilidades de acesso da internet. Mas quanto mais conversava com amigas leitoras, mais me dava conta de que muitas coisas poderiam ser ditas para alguém que nunca se aventurou ou pouco consumiu de narrativas eróticas.
Este Guia Completo de contos eróticos para mulheres, então, é antes de tudo um convite meu, escritora e leitora, para que você deixe os preconceitos no tapetinho da porta e se permita entrar nessa lojinha de fantasias da literatura para descobrir o que os contos eróticos podem te oferecer!
1. O dress code da leitora
Já que quem avisa, amiga é, achei que antes de tudo deveria preparar os leitores para essa jornada. O dress code também é importante por aqui. Mas você não precisa se preocupar com trajes formais ou informais. A regra básica é apenas uma: quando for ler, evite calcinhas de algodão. Essas grandes amigas, calcinhas queridas, infelizmente não são as melhores companheiras para leituras em lugares públicos, durante deslocamentos, ou mesmo na pausa do almoço.
Quando acompanhadas de calças de tecido, elas podem se tornar verdadeiros pesadelos, uma combinação perigosa de sensação de umidade e medo de passar vergonha em público. Pode parecer embaraçoso começar esse Guia falando sobre calcinhas molhadas e você pode até estar mesmo duvidando da capacidade (ou qualidade) dos contos de causar esse efeito. Mas se há algo que aprendi com meus anos de leitura é que não devemos subestimar essas narrativas e a forma como elas afetam fisicamente nossos corpos. Por mais que gostemos de nos imaginar como seres racionais e superiores, nosso corpo pode ter respostas inesperadas e é bom ter uma calcinha mais resistente e uma boa cara blasée nessas situações.
2. Por que ler contos eróticos?
Acho que comecei a ler histórias eróticas pela curiosidade de saber como outras pessoas transavam ou, pelo menos, como elas fantasiavam as experiências sexuais. Mesmo sem saber, instintivamente fui parar nos eróticos porque queria ocupar o lugar que o leitor geralmente ocupa nesse gênero.
Se em nenhuma literatura o texto está completo sem o leitor, no erótico ainda mais. Nessas narrativas, nós somos o voyeur e estamos sempre espiando por alguma brecha. Então, a primeira resposta para este tópico do nosso guia é muito simples: ler pelo prazer de ver/imaginar.
Há quem diga que uma das características da literatura erótica é o objetivo de excitar o leitor. Há quem imagine que as pessoas procuram contos eróticos como substitutos da pornografia audiovisual e como preliminar de masturbação. Pode funcionar assim também, mas, quando começo a ler um conto obsceno às 7h da manhã no ônibus para o trabalho, minha intenção não é gozar.Acredito que sexólogos ou mesmo psicólogos poderiam elencar uma justificativa científica para o consumo dos contos eróticos, mas não quero recorrer a pesquisas e a um discurso terapêutico. O que posso dizer é que há algum tempo vejo textos falando sobre a importância de fantasiar, especialmente para mulheres (por isso, os contos eróticos pensados para mulheres são tão interessantes). E, para mim, ler eróticos serve para isso, para incitar a criação. Manter o corpo e a mente sedentos, cultivar o desejo como o que ele é: um motor diário.
3. Não tenha medo de taras, kinks, subversões
Há uma compreensão comum entre os leitores de eróticos que diz: “Você está a um texto de desenvolver aquele kink esquisito que gosta de zoar. Humildade sempre!”.
Brincadeiras à parte, a relação entre as narrativas eróticas, taras e fetiches é bem complexa.
Em primeiro lugar, cabe a este Guia informar algo que talvez seja óbvio, mas nem sempre. Não é preciso ser um ou uma fetichista para ler contos eróticos, tampouco é preciso ter ou conhecer (pois talvez você tenha e não saiba) suas taras.
Imagino que para alguém que tem um fetiche, narrativas que envolvam os elementos que lhe despertam desejo e prazer tenham um apelo a mais. Mas, pela minha experiência, diria que nem sempre o kink que você vai ler significa realmente algo sobre o seu desejo, fora da narrativa.
E isso me leva ao segundo ponto desse tópico: tenha em mente que há uma distância entre o seu desejo real e o que você achou excitante em uma história.
Eu gosto de falar sobre isso, porque acho que nessa proximidade que o erótico tem com o corpo, às vezes podemos perder a dimensão da criação imaginativa. Quando lemos um conto erótico, aceitamos as regras daquela realidade que o autor nos oferece e experimentamos o que ele descreve a partir disso.
Só para dar um exemplo: uma “amiga” minha, uma vez, me contou que leu o livro Gamiani: duas noites de paixão e achou que uma das cenas de sexo com um cachorro era uma das melhores do livro. Eu conheço muito bem a minha “amiga” para saber que zoofilia não é algo que entraria para a lista de metas de ano novo dela, então a história acaba aqui. Sem crise, sem julgamento. A literatura erótica pode nos tirar do nosso corpo e da nossa cabeça, inventar subversões, nos provar que é possível manipular cenas absurdas a partir da escrita e, pior, nos afetar com isso.
Eu poderia dizer para você não ter medo disso, pois o texto é um espaço seguro. Muito do que você vai ler não vai alterar seu desejo, mas às vezes pode te ajudar a descobrir coisas engraçadas, como axilas e pés e homens de lingerie e... hum... esquece!
Mas essa é uma decisão realmente pessoal. Você pode definir os limites do que você gostaria de ler ou não.
4. Tags e Trigger Warning podem ser suas aliadas
Principalmente com a internet, as tags e todas as formas de etiquetagem e categorização de conteúdos, você pode ter um controle bom do que vai ler. Há contos eróticos sendo publicados no Instagram, no Twitter, no Medium, em blogs e sites. E, claro, aqui no Lábios Livres também teremos. As plataformas utilizadas pelos autores são as mais variadas, mas em muitos casos você consegue um bom refinamento buscando por tags e palavras-chave.
Não sou uma leitora muito seletiva em termos de ter definido o que quero encontrar em uma história, normalmente procuro por autores. Pessoas que vou descobrindo na internet e que publicam uma coisa aqui e outra ali.
Mas, desde o final do ano passado, 100% dos contos eróticos que consumo são na verdade produções de fãs (fanfics). No caso dessas narrativas, as tags têm um valor ainda maior. Em primeiro lugar, você quer saber se aquela história diz respeito ao universo que você procura, em segundo, você quer saber quem são os personagens e o possível casal. Pelas etiquetas que os autores acrescentam também é possível descobrir: se há alguma cena violenta, qual o gênero do casal, se há personagens LGBTQIA+, se a história é romântica, se é pura putaria, se há mais sexo que história, quais os papéis assumidos pelos personagens, quais os tipos de práticas sexuais, quais os kinks e tudo que você possa imaginar. Realmente tudo!
Como um adicional, cada vez mais, autores têm o cuidado fazer alertas sobre situações gatilho (é o tal do trigger warning). Depressão, ansiedade, violência, estupro e abuso do uso de drogas são assuntos que costumam aparecer nesses alertas.
Se você é alguém que costuma consumir pornografia/erotismo audiovisual, falar sobre isso é chover no molhado. No site de sua preferência, você normalmente busca pelos termos que se referem a sua vontade do dia. Com os contos você pode experimentar o mesmo. Sexo anal, sexo oral, dom/sub (para histórias com relações de poder), rough sex (para um sexo um pouco mais pesadinho, mas não BDSM), etc.
No universo das fanfics, alguns termos também são bem populares, como smut (obsceno, em português, e que significa uma história bem quente) e pwp (é uma abreviação de Plot What Plot/Porn Without Plot e quer dizer que a história é basicamente só putaria e não desenvolve um enredo).
Nos contos escritos em português pode ainda ser raro encontrarmos tags tão detalhadas, mas, se você é um autor, pode ser uma boa começar a utilizar para ajudar os leitores.
5. Putaria em português? Que vergonha!
Sente vergonha de ler palavras como foder, cuzinho, mamada e outras? Saiba que você não está sozinha no mundo, na verdade, existem muitas pessoas junto com você nessa.
Recentemente, comecei a conversar mais com leitoras de histórias eróticas e descobri uma coisa interessante: muitas delas preferem ler putaria em inglês. Como alguém que, além de ler também escreve contos eróticos, eu concordo com elas que o português é uma língua bem desafiadora para o erotismo. No dia a dia, nós sabemos ser muito diretos, escrachados, debochados e irônicos, principalmente para falar de sexo na internet. Mas na hora de passar isso para o papel, essa fórmula nem sempre funciona. E tudo o que você não quer durante a leitura de um conto erótico é ficar pensando se gostou ou não das escolhas de quem escreveu.
Por isso, alguns contos eróticos escritos em português podem ter uma linguagem estranhamente rebuscada (talvez “falsamente” rebuscada), utilizando palavras como impetuoso, lascivo, pudor. Não há nada de errado com esse estilo e essas palavras, mas, como leitora, não são meus preferidos. Comum também é encontrar histórias que parecem ter sido escritas em inglês e traduzidas quase ao pé da letra para a nossa língua. Há, assim, uma aparente tentativa de distanciamento das palavras cotidianas ou informais.
Decidi incluir esse tópico no nosso Guia para fazer um convite às futuras e futuros leitores de que não se deixem “enrubescer” pelas nossas palavras. Na verdade, a vergonha das palavras me leva a pensar que há algo de muito potente nelas. Definitivamente há aqui um espaço para criação e experimentação.
6. No fim das contas, as relações de poder é que mandam
Quando você decide dedicar um tempinho do seu dia para ler algo, é óbvio que espera ter feito uma boa escolha de leitura. Mas nem sempre isso acontece. Há alguns fins de semana me peguei lendo uma narrativa erótica que me dava calafrios (e não de uma forma boa) em alguns trechos. Eu estava muito incomodada com a escrita, mas, por alguma razão, não consegui parar de ler. Havia algo que a autora havia conseguido construir naquela história que transcendia a sua própria escrita, até chegar a um ponto em que eu escolhi focar apenas nas partes que me interessavam, ignorando suas descrições.
Essa história me fez lembrar de uma reportagem da revista Piauí sobre eróticos, que se perguntava sobre o grande número de produções com personagens CEOs. Confesso que também me intrigava a onipresença dos CEOs nas narrativas eróticas, mas conforme fui lendo algumas histórias percebi que um ponto importante dos contos eróticos são as dinâmicas de poder que se estabelecem entre os personagens.Nem sempre é preciso haver um CEO, um príncipe, rei, herdeiro, chefe da máfia ou artista famoso. Às vezes, os dois personagens podem ser estudantes universitários ou professores de ensino médio. Mas para que a fantasia funcione, é preciso que você saiba exatamente qual a dinâmica que estabelece entre eles. Quem manda, quem obedece, quem é mais dominador, quem é menos confiante, quem é extrovertido, quem não é, quem não quer ultrapassar limites, quem tem mais medo, etc. Uma vez que isso fica claro para o leitor, a leitura se desdobra quase automaticamente.
7. O conto é só um garfo e uma faca
Agora que você já sabe qual o ponto central dos contos eróticos, você pode usá-los como quiser. A poeta carioca Estela Rosa defende, em um ensaio lindo, que a poesia deve ser antes de tudo uma ferramenta. Em vez de uma refeição, ele é uma faca. Os contos eróticos também funcionam assim.
Eles não precisam ser perfeitos, não precisam ser completos, nem sempre é preciso que sejam explícitos. Um beijo no nariz ou uma coçada nas costas pode molhar mais uma calcinha que uma descrição detalhada de uma dupla penetração. E essa é a beleza desse gênero. Ele é uma aventura que cabe a você explorar e descobrir. Mas não como se a história fosse a paisagem final, ela é apenas o enquadramento, a moldura, o convite.
8. Onde ler contos eróticos para mulheres?
Se você leu esse Guia até aqui, deve estar pensando que a pergunta de ouro é: certo, onde começo a procurar contos?
Apesar de anos de experiência como leitora de erotismo, confesso que essa pergunta é difícil até para mim. Reuni algumas dicas abaixo, mas quero começar pela melhor notícia: a Lábios Livres também vai publicar contos eróticos! E, bom, eu, autora deste Guia, terei uma coluna mensal para publicar minhas histórias. Ou seja, você pode continuar por aqui e se aventurar comigo. (Mas também pode conferir o que já publiquei no meu Medium.)
Se você encara ler em inglês, há sites como o Literotica que possuem um bom acervo. Já se tem interesse em fanfics (histórias com personagens imaginários ou pessoas famosas reais) ou pelo menos está aberta à ideia, vai ter ainda mais facilidade. O Archive Of Our Own (carinhosamente apelidado AO3) é o paraíso da abundância e da organização, possui conteúdo em várias línguas, mas majoritariamente em inglês.
Em português, as fanfics também possuem bons espaços. O Spirit e o Wattpad reúnem muitos trabalhos do gênero e também histórias originais. Não apenas contos, mas livros inteiros.
Pode parecer estranho fazer tanta referência a fanfics, mas no Brasil e no mundo, os fãs parecem ser os escritores mais ativos de histórias eróticas. Basta lembrar que o grande sucesso Cinquenta Tons de Cinza também surgiu uma fanfic.
Algumas empresas também possuem uma seção própria de contos. Foi assim que conheci a loja pantynova, que tem um apelo completamente voltado para mulheres e oferece um acervo interessante de histórias LGBTQ.
Além disso, como disse, às vezes encontro um autor e tento acompanhá-lo, é o caso da Janaíne Paiva no Medium. Mas nem sempre as pessoas ficam focadas exclusivamente nesse gênero, por isso acho difícil indicar. A boa notícia é que o Instagram tem se tornado cada vez mais um espaço interessante para essas buscas.
Além dos sites e redes sociais, há a Amazon. Com a abertura da possibilidade de autopublicação para escritores e escritoras, a empresa se tornou um espaço bastante utilizado pelos autores de eróticos.
Ufa, acho que já dá para começar por aí. Espero que tenham gostado do Guia Completo de contos eróticos para mulheres e que o convite para incitar a criação a partir das fantasias eróticas tenha sido passado com sucesso!