Feminismo no Brasil: um guia de bolso

O feminismo é uma pauta muito importante – e não só para as mulheres, mas de maneira plural. Mais do que uma definição, esse é um movimento que segue em constante mudança, e chegou a hora de falarmos um pouco sobre isso.

O que é o feminismo?

O feminismo é um movimento político e social que luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Simples, né? Nem tanto, essa luta vem sendo travada há muitos anos e, como você - mulher - bem sabe, ainda está longe de acabar. É importante deixar claro que não se trata de uma pauta sexista, pois em momento algum o movimento tenta impor superioridade de um sexo sobre o outro.

E como fica a situação do feminismo no Brasil?

Há muito tempo, na época do Brasil Colônia, tínhamos uma cultura patriarcal repleta de mulheres brancas que eram subordinadas aos seus senhores: pais, maridos, irmãos ou qualquer homem que fosse o chefe da família. Às negras? A triste escravidão. Nesse período, a luta girava em torno da sobrevivência e de significativas carências: direito a liberdade, a educação, ao divórcio e ao mercado de trabalho.
Durante o império, conhecemos a primeira mulher consagrada como feminista do Brasil: Nísia Floresta. Ela foi uma grande ativista pelo direito de liberdade e emancipação. Além disso, com muita luta e contestação, foi a fundadora da primeira escola para meninas do país.

“Como educadora, Nísia defendeu suas posições revolucionárias em obras e ensaios, enfatizando a temática feminina, e sendo considerada a primeira mulher a romper barreiras entre o público e o privado, em tempos em que a imprensa nacional engatinhava.” – Afirma Rafaella Brito, do blog Blogueiras Feministas.

Algumas mudanças começaram a ocorrer de fato na nossa sociedade em 1917, quando houve a Greve das Costureiras, em São Paulo. A principal pauta da paralisação era o direito às leis trabalhistas e redução da jornada abusiva de trabalho – onde elas viravam as noites dentro das fábricas. Falando assim, parece uma coisa horrível que ficou no passado, mas se formos refletir, infelizmente essa ainda é uma realidade que muitas mulheres que vivem no nosso país.

Em 1922 foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em que o objetivo era reunir mulheres para batalharem e irem às ruas lutar pelo direito ao voto e ao trabalho. Depois de 6 anos de reinvindicações, veio o primeiro sinal de vitória – em 1928 foi autorizado o primeiro voto feminino. E, no mesmo ano, Alzira Soriano de Souza foi a primeira prefeita mulher eleita no país. Felicidade? Não. Tanto a eleição de Alzira, quanto o voto feminino foi anulado em seguida, mas isso abriu um precedente para que houvesse manifestações acerca do direito à cidadania das mulheres.

A nossa história é marcada por sangue, dor, choro e muita luta, mas em 1932, no governo Getúlio Vargas, aconteceu a garantia do voto feminino – e isso só ocorreu porque em todo o mundo estava acontecendo o Movimento Sufragista (que virou até um filme dirigido pela Sarah Gavron, em 2015 – e concorreu ao Oscar de Best Movie).

Cena do filme As Sufragistas

Um ano depois da conquista do direito da mulher na vida política, Carlota Pereira de Queiróz foi eleita a primeira deputada federal brasileira.

Assolados por dois períodos ditatoriais, o movimento feminista no Brasil sofreu muitas dificuldades, mas também tivemos grandes conquistas, como: a criação da Fundação das Mulheres do Brasil, a aprovação da Lei do Divórcio e a criação do Movimento Feminino pela Anistia, em 1975, que foi considerado o ano Internacional da Mulher, onde ocorreram diversos debates sobre as condições das mulheres na sociedade.

Os anos 80 chegaram e com ele foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que depois de um tempo passou a ser a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, e, nos dias de hoje, é o Ministério de Políticas Públicas para Mulheres (SPM).

Mas se formos analisar (nem tão) a fundo: O nosso passado não é tão distante assim.

Ainda somos considerados um dos países mais desiguais do mundo em questão de gênero – o Brasil ocupa a 92o posição em um ranking com 153 países que mede a igualdade de gênero. E isso, infelizmente, é resultado de uma estrutura econômica, social e politica desajustada.

Não devemos ignorar que homens e mulheres são diferentes entre si, mas isso não vem ao caso quando falamos da sua capacidade profissional, inteligência e em lugar como cidadão. O gênero não deve ser um critério de discriminação, e é muito importante entender esse detalhe para que nós, mulheres, nunca paremos de lutar para que sejamos respeitadas pela nossa competência.

Traçando um panorama de linha do tempo do feminismo no Brasil, podemos dividir a história em 4 períodos que foram essenciais para conquistarmos o que temos hoje:

O primeiro período: O feminismo antes do feminismo

O primeiro período é o feminismo antes do feminismo. Quando ainda não se sabia o que era essa luta, e o termo ainda não havia sido criado. Foram mulheres que lutaram (sim, de verdade, com armas e tudo) em momentos importantes da história da nossa pátria, como Dandara dos Palmares – esposa de Zumbi dos Palmares. Além dela, temos também Clara Camarão, que lutou contra as invasões holandesas na época das Capitanias, em Pernambuco. Essas mulheres provaram para outras que elas eram capazes sim de lutar pelos seus direitos tanto quanto os homens.

Ilustração de Dandara dos Palmares

O segundo período: luta pela cidadania e movimento sufragista

O segundo período acontece na virada do século 19 para o 20, onde tivemos a luta pela cidadania e o movimento sufragista (que foi citado acima).

O terceiro período: a luta pelo empoderamento sexual

O terceiro período começa na década de 60, onde iniciam-se as discussões acerca da sexualidade. As mulheres começaram a entender o seu valor e perceber o sexo não apenas como uma ferramenta de procriação, mas também como fonte de prazer. O papel de reprodutora, dona de casa e da obrigação de ser mãe passa a ser questionado. Nessa mesma época, pautas polêmicas como o aborto também se iniciam.

Com o terceiro período, a moda começou a entender o seu papel na sociedade e passou a ser usada também como elemento de protesto.

Em meio a tudo isso, a conjuntura histórica da ditadura militar impôs que os movimentos feministas também se posicionassem contra o regime e a censura, e lutassem pela redemocratização do país e por melhoria nas condições de vida.

Outro fator importante que marcou o terceiro período dessa nossa linha temporal foi o nascimento do Movimento Negro Unificado (MNU), que teve entre suas fundadoras a filósofa, antropóloga e militante dos movimentos negro Lélia Gonzalez.

O quarto período: consciência racial e social

Um dos mais importantes momentos da nossa luta feminista vem a partir do quarto período onde, nos anos 80, começa a ser levado em consideração a questão de raça e classe social para dentro do movimento, em um termo conhecido como Interseccionalidade.

De forma didática, esse questionamento pode ser analisado como enxergar a sua condição a partir das opressões que você sofre, entendendo que mesmo fazendo parte de um grupo (de mulheres), você ainda pode ter alguns privilégios perante outras, e compreender que não existe uma generalização. Uma mulher branca e rica - na época -  poderia sofrer opressão e machismo do marido, quando ele não permitia que ela trabalhasse em determinados lugares ou utilizasse roupas específicas, enquanto uma mulher negra sofria opressão da sociedade e os únicos trabalhos que lhe eram permitidos, eram os manuais (como doméstica, babá, etc.), pois o racismo não permitiria que ela fosse considerada capaz para outras atividades.

As mulheres perceberam que dentro do seu próprio universo haviam diferenças e muitas desigualdades, e, durante muito tempo o movimento feminista teve uma visão eurocêntrica de lutas. A partir dali, começou-se a olhar para a realidade brasileira de forma interna.


Hoje, no século XXI, estamos construindo o nosso quinto período, que é moldado por muito ativismo digital. Bandeiras como feminicídio (mulheres que são assassinadas por questões de gênero), violência contra a mulher e assédio são pautas constantes nas redes sociais. Além disso, com o poder de expressão na mão de todos, nascem novos tópicos extremamente válidos, como liberdade de escolha, padrões corporais e transfeminismo.

Meu corpo minhas regras

E o que as redes sociais tem a ver com o feminismo?

Não podemos pensar numa comunicação no mundo moderno sem ligar isso ao meio digital. As redes sociais são ferramentas que permitem o acesso a diferentes conteúdos e informações de forma imediata, e ainda promove o contato de pessoas de diferentes locais. Se algo acontece com alguma mulher, basta um tweet para o assunto viralizar e se tornar pauta – algo que é muito positivo para trazer visibilidade a temas importantes.

Sendo esse mecanismo instantâneo de informação, as mídias digitais tornaram-se espaços nos quais as pessoas podem se organizar e definir interesses em comum. Além disso, é possível adquirir consciência sobre a importância do feminismo de forma mais didática (como estamos fazendo aqui, agora!). Claro que o pensamento crítico deve vir de cada um, mas ter o auxílio de uma tecnologia que facilita o acesso a informação é essencial nesse momento que o mundo vive.

Um exemplo do que estamos falando foi quando em 2017, um grupo feminista criado no facebook intitulado “Mulheres Unidas contra o Bolsonaro” se organizou e decidiu ir as ruas protestar contra as propostas de governo e frases repletas de machismo do – na época, candidato a presidência do país nas eleições de 2018 – Jair Bolsonaro. A ideia cresceu e se espalhou por tantos lugares que mulheres de outros países resolveram aderir e reivindicaram também as suas próprias pautas. O protesto aconteceu no 8 de março de 2017, e ficou conhecido como a Greve Internacional de Mulheres. O mote do movimento foi: “Se nossas vidas não importam, produzam sem nós.”

O chamado feminismo virtual também trouxe diversas ações legais, como a criação de hashtags para incentivar pessoas a revelarem seus traumas e abusadores, fazendo que com que eles fossem denunciados e mais mulheres enxergassem relacionamentos abusivos. Das muitas criadas, as mais conhecidas foram: #primeiroassedio, #meuamigosecreto, #mexeucomumamexeucomtodas, e claro, a mais recente, #elenão – que é considerado o maior movimento de mulheres no Brasil.

Outro movimento que nasceu do virtual e partiu para o mundo real foi o Movimento Vamos Juntas, ele teve início a partir da ideia de que quando uma mulher estivesse sozinha na rua, outra acompanhasse para que ela não se sentisse em perigo. Babi Souza, feminista que iniciou o movimento, fez uma postagem em sua rede social e com a repercussão em pouco tempo, focou na criação da pagina para que ela ganhasse cada vez mais força e, consequentemente, mais mulheres aderissem.

Mas, apesar de todas as conquistas femininas nos últimos tempos, ainda vivemos em uma sociedade machista, em que violência contra a mulher é algo tolerável e questionável. Não é raro ouvirmos comentários de que mulher não pode fazer determinada coisa por ser “coisa de menino e não de menina”. Somos, até mesmo, questionadas se nossos namorados deixam que saiamos sozinhas com as amigas ou usando roupas curtas, como se, de alguma forma, fossemos propriedades dos homens e precisássemos de autorização para fazer alguma coisa.

Infelizmente, e ainda mais grave do que isso, não é raro se ouvir comentários que justifiquem barbáries contra as mulheres. É por conta disso que o feminismo é tão necessário no nosso país e no mundo.

As mulheres devem se unir na luta para a proteção de seus direitos, por todos aqueles que já foram conquistados e também por todos aqueles que ainda precisamos conquistar. A caminhada ainda é grande e cheia de obstáculos, mas não podemos nos calar, nossos lábios agora são livres!