Mulheres na Ciência: resistência, possibilidades e perseverança
Texto por Laura Beatriz, jornalista.
Nesse texto você vai entender o papel fundamental das mulheres na ciência em conquistas e descobertas que impactam o mundo até hoje.
A invisibilidade das mulheres na ciência
Mudanças em diferentes âmbitos e aspectos permeiam a nossa sociedade. As mulheres hoje ocupam as mais diversas áreas de trabalho, porém, na ciência ainda somos marginalizadas.
Uma percepção extremamente machista insiste em declarar que atividades relacionadas à ciência e a pesquisas científicas pertencem ao universo masculino. Sim, ainda há quem tenha esse tipo de pensamento.
E vale ressaltar que além de excluídas, as mulheres foram, durante muito tempo, afastadas dos espaços e instituições nas quais aconteciam a formação e a comunicação científica.
Os trabalhos mais reconhecidos são de cientistas homens. Por conta disso, criou-se no imaginário popular que as mulheres nem chegaram a participar da área científica.
No entanto, a história nos revela a participação de mulheres em todas as épocas da história ocidental.
Através de muita luta, as mulheres foram em busca de garantir seus lugares dentro das ciências, da tecnologia e da engenharia. Tornaram-se parte essencial em descobertas que ainda hoje mudam o mundo.
Segundo um relatório da Elsevier intitulado “A jornada do pesquisador através de lentes de gênero” divulgado em 2020, um estudo que envolveu 15 países, incluindo o Brasil, embora a participação feminina nas ciências exatas esteja aumentando, a desigualdade permanece quando o assunto são publicações, citações, bolsas concedidas e colaborações.
Especificamente falando sobre as citações, trabalhos publicados por mulheres são citados com muito menos frequência do que os trabalhos publicados por homens.
Um pouco do percurso
Durante os séculos XV, XVI e XVII, marcados por diversos eventos e mudanças na sociedade que possibilitaram o surgimento da ciência que conhecemos hoje, algumas poucas mulheres aristocráticas exerciam importantes papéis de interlocutores e tutores de renomados filósofos naturais e dos primeiros experimentalistas.
Porém, para as mulheres não era permitido o acesso às intensas discussões que aconteciam nas sociedades e academias científicas, que se multiplicaram no século XVII por toda a Europa e tornaram-se as principais instituições de referência da ainda reduzida comunidade científica mundial.
No século XVIII, essa situação quase não mudou e o acesso das mulheres a essa atividade, com poucas exceções, aconteceu principalmente à posição familiar que elas ocupavam: se eram esposas ou filhas de algum homem da ciência podiam se dedicar aos trabalhos de suporte da ciência, tais como, cuidar das coleções, limpar vidrarias, ilustrar e/ou traduzir os experimentos e textos.
O século seguinte foi marcado por ganhos modestos, como a criação de colégios de mulheres. Ainda assim, elas permaneceram às margens do âmbito científico.
As coisas começaram a mudar somente após a segunda metade do século XX, quando a necessidade crescente de recursos humanos para atividades estratégicas, como a ciência, o movimento de liberação feminina e a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres permitiram a elas o acesso, cada vez maior, à educação científica e à carreiras, tradicionalmente ocupadas por homens.
Segundo Nadia Kovaleski, Cíntia Tortato e Marília de Carvalho, autoras do artigo ‘As relações de gênero na história das ciências: a participação feminina no progresso científico e tecnológico', existem relatos da presença feminina na pesquisa científica desde o Antigo Egito.
Cenário brasileiro
No Brasil, de acordo com o CNPq, as mulheres constituem 43,7% das pesquisadoras, apesar de a proporção relativa diminuir com o aumento da faixa etária: 45,9% a 41,5% no grupo de 35 a 54 anos e ao redor de 30% entre 55 e 64 anos.
A questão é: será que isso também vai ocorrer nos postos de liderança? Quando se analisa a porcentagem de mulheres que lideram pesquisas, a desproporção sexual é gritante.
Apenas 21% das mulheres são coordenadoras de projetos temáticos da FAPESP e menos de 10% dos professores titulares da Universidade de São Paulo ou dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres.
Querem sempre nos silenciar de alguma forma e menosprezar nosso trabalho. Enquanto as conquistas masculinas são levadas a sério, celebradas e emblemáticas, as nossas são minimizadas.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, em um censo universitário realizado em 2018, a grande maioria dos universitários no Brasil (quase 59% dos estudantes) são mulheres.
No entanto, quando se diz respeito à participação feminina em cursos das ciências exatas, a participação feminina nesses casos cai para 41%.
Em cursos da área de engenharia, por exemplo, o valor é ainda menor sendo 70,7% homens e apenas 29,3% mulheres.
Por vezes, no interior das famílias, nas escolas, nos meios de comunicação e em outros nichos de difusão de valores acontece a recriação de mitos e preconceitos sobre habilidades e vocações diferentes para homens e mulheres.
Em outras palavras, o machismo já intrínseco no cotidiano brasileiro, acaba por tentar convencer meninas e mulheres que elas não foram “feitas” para determinadas profissões.
Um exemplo bem simples desse panorama são os brinquedos discriminados por gênero, onde sempre fica mais ligado ao sexo masculino as brincadeiras relacionadas à tecnologia.
Mulheres em maioria
O relatório da Elsevier apresenta as desigualdades entre homens e mulheres na pesquisa, mas também traz uma relação das áreas onde as mulheres são maioria.
São elas:
- Bioquímica, com 52,7% de mulheres;
- Odontologia, com 52,4% de mulheres;
- Imunologia e Microbiologia, com 57,7% de mulheres;
- Medicina, com 52,7% de mulheres;
- Neurociência, com 54,3% de mulheres;
- Enfermagem, com 73% de mulheres;
- Farmacologia, com 57,6% de mulheres;
- Ainda segundo o relatório, as áreas de medicina e bioquímica se tornaram de maioria feminina a partir de 2009.
Entre as áreas com maiores citações a trabalhos escritos por mulheres estão a enfermagem e psicologia, enquanto a área com menor presença feminina são as ciências físicas.
Conheça as mulheres que fizeram parte de revoluções científicas
Hipátia de Alexandria
Hipátia de Alexandria é considerada a primeira mulher matemática da história. Nascida no ano 370, em Alexandria, no Egito, ela desenvolveu pesquisas em astronomia, física e filosofia. Foi brutalmente assassinada em 416, após os seus estudos serem descobertos por um grupo de extremistas religiosos. A sua pesquisa foi considerada heresia.
Infelizmente sua obra foi perdida, assim como de outros estudiosos do período, mas sua relevância está no mapeamento e movimentação dos astros.
Matilda Moldenhauer Brooks
Nascida em 1888, Matilda Moldenhauer Brooks formou-se na Universidade Harvard e atuou nas áreas de Biologia e Biologia Celular. Ela é bastante lembrada por ter descoberto, em 1932, o antídoto ao envenenamento por monóxido de carbono e cianeto.
Quando um médico escreveu sobre tratamentos bem sucedidos utilizando o composto azul de metileno para tratar envenenamento por cianeto e omitiu o fato da descoberta ter sido realizada por Brooks, ela escreveu para o Conselho de Administração do Mount Holyoke College:
" [...] Parece-me que, na era moderna, quando há tantas mulheres capazes neste país, educadas e treinadas para a liderança, não apenas entre as mulheres, mas também os homens, que é uma decisão reacionária muito curiosa da parte dos que estão no poder, voltar ao costume antigo de considerar um homem como o único capaz de liderar um grupo de mulheres".
Augusta Ada Byron
Filha do poeta Lorde Byron, Ada Byron é considerada a mãe da computação. Desde muito nova já demonstrava ter grande domínio de diferentes áreas e, aos 17 anos, se comunicava por cartas com Charles Babbage. Ele tentava desenvolver uma máquina analítica, e foi Ada quem desenvolveu a linguagem para o projeto.
As notas escritas por Ada são consideradas o primeiro algoritmo criado para ser usado em um computador, por isso ela é considerada a primeira pessoa a programar em toda a história.
Marie Curie
Nasceu em 1867, foi uma química e física polaca que dedicou a vida nos estudos da radioatividade. Sendo a pioneira no estudo do tema e sua dedicação era tamanha que a levou a adoecer devido à alta exposição à radiação.
Os seus trabalhos são considerados pioneiros no estudo da Radioatividade clássica, além disso, ela descobriu o polônio e o rádio, elementos químicos que contribuíram para a criação de tratamentos médicos como a radioterapia.
Foi a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel e a primeira pessoa a conquistar duas vezes a premiação. Também foi a primeira mulher a atuar como professora na Universidade de Paris.
Katherine Johnson
A história de Katherine Johnson inspirou o filme “Estrelas além do tempo”. Ela precisou quebrar dois preconceitos: de ser mulher na ciência e mulher negra como cientista.
Katherine trabalhou na NASA durante 33 anos e ao longo da sua trajetória atuou como computador humano (realizando cálculos), foi promovida a líder de cálculos e participou de equipes com missões para a Lua e Marte.
Gertrude Bell Elion
A bioquímica estadunidense Gertrude B. Elion desenvolveu medicamentos utilizados no tratamento de leucemia, AIDS e herpes. Ela também foi responsável pela descoberta de novos princípios de quimioterapia. Devido à sua grande contribuição, ganhou o prêmio Nobel de medicina em 1988.
Chien-Shiung Wu
Chien-Shiung Wu nasceu na China e se formou em matemática, mas atuou como pesquisadora na área de física. Se mudou para os Estados Unidos com uma amiga para dar continuidade aos seus estudos.
Se especializou e desenvolveu pesquisas no campo da física, tendo sido convidada, em 1944, a participar do Projeto Manhattan, que produziu as primeiras bombas nucleares. Possui pesquisas importantes, tendo como destaque o trabalho sobre fissão nuclear, a criação do Modelo Padrão, e estudo sobre as mudanças moleculares na deformação da hemoglobina causada pela anemia falciforme.
Mária Telkes
Mária Telkes foi uma cientista húngara nascida em 1900 que teve grande relevância para as pesquisas sobre energia solar, o que lhe rendeu o apelido de Rainha do Sol.
Sua formação foi na Universidade de Budapeste, onde concluiu o curso de físico-química em 1920. Cinco anos depois Mária passa a viver nos EUA.
A cientista também desenvolveu um mecanismo capaz de dessalinizar a água do mar, transformando-a em água potável.
Florence Sabin
Florence Sabin nasceu nos EUA em 9 de novembro de 1871. Sua atuação foi na medicina, onde fez investigações e descobertas importantes na área da anatomia, sistema linfático e sanguíneo.
Formou-se médica em 1900 e no ano seguinte publicou Um Atlas da Medula e Mesencéfalo, livro que se tornou referência para a medicina.
Depois que se aposentou, Florence dedicou sua vida ao ativismo a favor da saúde pública em seu estado, o Colorado.
É do Brasil
Nise da Silveira
Nise da Silveira foi uma médica que mudou completamente a maneira como doenças psiquiátricas são vistas.
Nascida em 1905, ela se formou em medicina em 1931 na Bahia, sendo a única mulher entre outros 157 estudantes do sexo masculino.
Contratada em 1944 para trabalhar no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, Nise se opôs às práticas usadas para tratar os internos: técnicas como eletrochoque, camisas de força e isolamentos eram comuns.
Devido à sua oposição, ela foi transferida para a ala de terapia ocupacional do centro psiquiátrico como forma de punição, já que esta era uma área com poucos recursos e prestígio, porém é lá que Nise começa sua revolução.
Em vez de terapias baseadas em surras e limpeza pesada do local, Nise propôs a pintura.
Nise também foi pioneira em entender os benefícios de terapias com animais, permitindo que seus pacientes cuidassem dos cachorros que viviam no pátio do centro psiquiátrico.
Sônia Guimarães
Aos 64 anos, a paulista Sônia Guimarães é uma mulher pioneira na ciência brasileira por conta de suas conquistas no universo da física.
Mulher negra, ela concluiu a faculdade de física em 1979 e em 1989 se tornou a primeira mulher negra brasileira a se tornar doutora pela University of Manchester Institute of Science and Technology, na Inglaterra.
Entrou para o quadro de professores do ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em 1993, uma época em que era uma das poucas mulheres no campus.
Isso porque o instituto só passou a aceitar o ingresso de alunas em 1996.
Sônia também é mantenedora da Universidade Zumbi dos Palmares e conselheira do Conselho Municipal Para a Promoção de Igualdade Racial (COMPIR), da prefeitura de São José dos Campos.
Graziela Maciel Barroso
Nascida em 1912, Graziela Maciel Barroso é um nome essencial para a botânica, sendo conhecida como a principal taxonomista de plantas do país.
Aos 30 anos, começou a estudar botânica em casa com o marido e em 1946 se tornou a primeira mulher a fazer concurso para naturalista no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Graziela trabalhava com sistemática de plantas e, embora não tivesse curso superior, treinava estagiários, mestrandos e doutorandos.
Foi apenas aos 47 anos que Graziela ingressou no curso superior de biologia da Universidade do Estado da Guanabara, e aos 60 defendeu sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas.
Durante sua atuação profissional, ela foi responsável por identificar 25 espécies de vegetais, batizados com seu nome, como Dorstenia grazielae (caiapiá-da-graziela) e Baubinia grazielae (pata-de-vaca).
Graziela teve suas conquistas reconhecidas em vida, recebendo a medalha Millenium Botany Award e sendo convidada para fazer parte da Academia Brasileira de Ciências.
Jaqueline Góes de Jesus
A doutora em Patologia Humana e Experimental, Jaqueline Góes de Jesus, tem parte importante na luta contra o novo coronavírus, causador da pandemia.
Líder da equipe que conseguiu mapear o genoma do vírus SARS-CoV-2 em 48 horas (um tempo recorde, já que a média para esse tipo de procedimento é 15 dias), ela e sua equipe foram responsáveis pelo sequenciamento que permitiu diferenciar o vírus que infectou o primeiro paciente brasileiro do genoma identificado na China.
Jaqueline é biomédica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, concluiu seu doutorado na Universidade Federal da Bahia e hoje atua como pesquisadora no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Universidade de São Paulo (IMT/USP).
Antes de participar da pesquisa do Coronavírus, Jaqueline também já tinha integrado a equipe que mapeou o genoma do Zika Vírus.
"Eu me pergunto se os minúsculos átomos e núcleos, ou os símbolos matemáticos, ou as moléculas de DNA têm qualquer preferência pelo tratamento masculino ou feminino."
Chien-Shiung Wu
Referências
https://ead.pucpr.br/blog/mulheres-na-ciencia
https://mulheresnaciencia.com.br/sobre-o-site/
https://www.ebiografia.com/mulheres_na_ciencia/
https://portal.fiocruz.br/mulheres-e-meninas-na-ciencia
https://www.geekie.com.br/blog/mulheres-na-ciencia
https://jornal.usp.br/universidade/pesquisadoras-revelam-os-desafios-das-mulheres-para-fazer-ciencia
https://www.scielo.br/j/ea/a/F8MbrypqGsJxTzs6msYFp9m/?lang=pt
https://revistas.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/5047/4370
https://revistapesquisa.fapesp.br/mulheres-na-ciencia-2/
https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0011/1083971/Elsevier-gender-report-2020.pdf
https://www.opet.com.br/blog/interna/por-que-mulheres-nao-procuram-tanto-ciencias-exatas