O que é pornografia feminista?

Atrás apenas das Filipinas, o Brasil é o segundo País com a maior proporção de acessos de mulheres no Pornhub – elas representam 39% dos visitantes, de acordo com o relatório divulgado pelo próprio site, em 2019. Mas a pornografia é uma faca de dois gumes: a indústria pornográfica e o abuso sexual e psicológico de mulheres x a liberdade da mulher de ter prazer assistindo pornografia. Será possível consumir pornografia e, ao mesmo tempo, ser feminista? Esse texto procura refletir sobre a indústria do pornô, feminismo e o pornô voltado para o prazer feminino.

Ao ler você aprende:

  • Como começou a pornografia;
  • Como funciona a pornográfica nos dias atuais;
  • 3 mentiras que o pornô tradicional te conta;
  • Sites com pornografia voltada ao prazer feminino;
  • Seria a pornogrfia feminina outra forma de exploração?

A pornografia compõe a maior parte da formação sexual dos adolescentes, em especial dos homens. Segundo dados da pesquisa realizada pelo Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado, 90% dos rapazes consomem pornografia. No levantamento, 22 milhões de brasileiros assumem consumir material pornô, sendo destes 76% homens, a maior parte jovens.

Billie Eilish

Apesar do público consistir em sua maior parte de homens, a pornografia também afeta as mulheres. Billie Eilish, cantora norte-americana de 20 anos, em recente entrevista desabafou sobre os efeitos a pornografia causou nela.

“Como mulher, acho a pornografia uma desgraça. Eu costumava assistir muitos filmes pornô, para ser honesta. Comecei a assistir pornografia quando tinha 11 anos”, relatou. Billie atribui a origem dessa exposição tão cedo, à necessidade de se sentir aceita pelos colegas de sua idade.

O período de desenvolvimento sexual feminino se dá entre os 11 e 16 anos, sendo os 12 anos de idade o ápice. Eilish conta que a exposição durante a fase de puberdade afetou seu senso de limites durante o início de sua vida sexual. “Nas primeiras vezes em que eu, sabe, fiz sexo, eu não estava dizendo não para coisas que não eram boas. Isso porque eu pensava que essas eram as coisas pelas quais eu deveria estar atraída”, acrescentou Billie Eilish.

Recentemente a cantora lançou a faixa “Male Fantasy” (Fantasia Masculina, em tradução livre), parte do seu álbum “Happier Than Ever”. Na letra, ela canta:

Sozinha em casa

Tentando não comer

Me distraio com pornografiaEu odeio o jeito que ela me olha

Eu não suporto o diálogo

Ela nunca ficaria, tão satisfeita

É uma fantasia masculina

Vou voltar para a terapia (...)

Vinho, gregos e pornografia

Vinho, gregos e pornografia: como tudo começou

Os habitantes de Atenas, há cerca de 2.500 anos, adoravam ver representações de sexo e nudez. As ruas eram decoradas com estátuas de corpos bem definidos. Nas casas, cenas eróticas enfeitavam vasos. Depois do evento, muita gente ia para casa fazer festinhas em que o deus do vinho, Dionísio, era venerado na prática.

Entre vinho e estátuas de corpos esteticamente agradáveis, os homens tinham outra maneira de se divertir: concursos com mulheres nuas. O que mais chamava atenção era uma específica parte do corpo, “as nádegas de Vênus, que eram avaliadas e recebiam notas de juízes. Atenas deixou o protagonismo na história, mas a sacanagem não.

Toda civilização deu um jeito de manifestar seus ímpetos sexuais. Coube aos gregos definir a devassidão. O termo “pornográfico” apareceu pela primeira vez nos Diários de uma Cortesã, em que Luciano narra histórias sobre prostitutas e orgias – a palavra pornographos significa “escritos sobre prostitutas”. “Aos poucos, qualificou-se como pornográfico tudo o que descrevia as relações sexuais sem amor”, afirma o historiador francês Sarane Alexandrian, em História da Literatura Erótica.

O sentido da palavra mudou. Hoje, nos dicionários, pornografia é a expressão ou sugestão de assuntos obscenos. E por que a maioria de nós gosta de ver pornografia? O proibido é "o buraco da fechadura''. Podem explicar esse hábito que há mais de 30 mil anos sobrevive a todas tentativas de repressão em nome da moral e dos bons costumes.

Pornografia na contemporaneidade

Pornografia na contemporaneidade

Alguns bons anos passaram-se entre a libertinagem dos gregos e romanos, ate que à pornografia comece dar os primeiros passos a partir da segunda metade do século 19, ao que conhecemos hoje. Se para os deuses o bacanal era celebrado em consenso, para nós, meros mortais, a história é diferente: homens que consomem pornografia tendem a diminuir a empatia, podendo desenvolver quadros de ansiedade e depressão, baixa satisfação sexual, disfunções sexuais e comportamentos sexuais de risco, como a não utilização de camisinha (característica dos vídeos pornográficos).

A objetificação das mulheres realizada nos pornôs é consumida, aprendida e propagada pelos consumidores. É possível verificar um status de desigualdade de gênero, quando os vídeos reafirmam os estereótipos da "urgência biológica insaciável" do homem; quando a mulher é usada apenas para satisfazer os desejos do homem; quando o clímax das cenas é a ejaculação masculina; e quando a gratificação feminina é geralmente ignorada.

Um estudo mostrou que, em 97% das cenas de relações heterossexuais com conteúdo sexual explícito, a ejaculação do homem sobre o rosto ou o corpo feminino era focado e centralizado. Esse tipo de conteúdo só estimula a violência contra a mulher, contribuindo para a reprodução de situações de desrespeito.

Também existem os diversos conteúdos que incentivam o uso da autoridade, profissão, idade e posição durante o ato sexual. Um estudo mostrou que, de 282 personagens de 45 filmes pornográficos, os personagens masculinos eram, em 62% dos casos, profissionais ou homens de negócio, enquanto a submissão feminina era representada em profissões como assistentes, secretárias e donas de casa em 58% dos casos.

Dentro dessa tendência de colocar o homem em posição de vantagem, também são criadas personagens infantilizadas, com trajes escolares, voz infantil e ausência de pelo pubiano, reafirmando a figura da autoridade e do poder masculino. Na prática, conteúdos como esses ensinam e incentivam a prática do assédio e do abuso em relações de poder dentro de organizações, instituições religiosas e de ensino, relações afetivas, familiares e de qualquer outro tipo.

Para além dos efeitos sociais e pessoais, a pornografia age diretamente em uma área do cérebro que nos direciona à busca de recompensas. As atividades neurológicas do cérebro de um viciado em pornografia são idênticas às de um dependente de drogas. Logo, a necessidade e a busca pelo prazer passam a ser cada vez mais intensas, fazendo com que o usuário acesse conteúdos cada vez mais pesados e o comportamento da pessoa passe a ser orientado no sentido de obter satisfação com ações compulsórias.

Sequelas da pornografia no cérebro

A depressão está dentre os efeitos colaterais da exposição à pornografia. De acordo com Natalia Cuminale, repórter da VEJA, especialista em saúde, o assunto já foi relacionado à depressão, ansiedade, estresse, assim como às alterações na satisfação sexual, amorosa e pior qualidade de vida.

Acontece que a medida em que o consumo se torna habitual, ele se torna compulsivo. O vício em pornô já é estudado por muitos especialistas que investigam seus sintomas. As cenas vistas nos sites liberam substâncias como dopamina e outros hiper estimulantes em doses altas, o que torna as cenas da vida real cada vez menos prazerosas. Segundo a obra “Sexo  na cabeça: como a pornografia destrói o cérebro humano”, de Gary Wilson, os sintomas são:

  • Dificuldade em se relacionar com parceiras reais;
  • Problemas de atingir o clímax e o orgasmo durante as relações sexuais;
  • Disfunção erétil;
  • Consumo de materiais fetichistas e perturbadores em excesso;
  • Consumo de pornografia em ambiente públicos e/ou imprórpios;
  • Considera menos prazerosas as atividades cotidianas;
  • Atraso para compromissos;
  • Menos interação social;
  • Níveis baixos de testosterona;
  • Suspeita de quadros como fobia social.

Em resposta ao aumento de pessoas com compulsão, surge na internet o movimento “porn-reboot”, ou Reinicialização Pornográfica, em tradução livre. O site Your Brain On Porn classifica ‘rebooting’, como termo para recuperar-se da dependência da pornografia e sintomas associados, incluindo disfunções sexuais. Os integrantes do grupo compartilham os benefícios sociais, físicos e sexuais da abstinência em pornô.

Cientistas ainda afirmam que o consumo de pornô reduz o cérebro a uma condução infantil. O que acontece é o efeito chamado  desgaste do córtex pré-frontal, parte do cérebro responsável pelo controle dos impulsos, moralidade e disposição de vontades. Quando essa parte do cérebro é afetada, a pessoa fica mais infantil. Um certo paradoxo quando o conteúdo de entretenimento adulto regride o corpo ao estágio infantil.

Apesar do consumo compulsivo ser mais masculino, as mulheres não saem ilesas do consumo. As buscas nos sites são diferentes. Normalmente os homens buscam vídeos em que os órgãos sexuais são colocados em foco, com close up, com movimentos mais teatrais e exagerados. Já as mulheres buscam vídeos contextuais, em que se remontam uma situação até que se chegue na relação sexual. Em maioria, os vídeos podem ser mais lentos e com atuação não muito exagerada.

Billie, na mesma entrevista mencionada, relata como as sequelas também atingiram seu cérebro. “Acho que realmente destruiu meu cérebro e me sinto incrivelmente devastada por ter sido exposta a tanta pornografia”, conta Eilish.

A autora que vos escreve entrou em contato com as sequelas do pornô quando se deparou com homens, que se dizem viris e másculos com baixo desempenho em decorrência do pornô. Muitos não assumem, mas horas e mais horas para chegar ao orgasmo, disfunção erétil e a necessidade de um canal vaginal cada vez mais apertado, são sinais latentes que seu parceiro pode estar viciado em pornô. Afinal, a velocidade e pressão que a mão faz durante a masturbação não condiz com as condições em sexo real, com mulheres desenvolvidas.

O consumo assíduo de pornografia contribui para que homens desenvolvam expectativas irreais sobre as mulheres, dificultando a sua própria satisfação e resultando em diversas disfunções sexuais.

3 mentiras que o pornô voltado para o prazer masculino te contam

1. Corpos gordos, negros, amarelos, peludos, sardentos, barrigudos, franzinos e gigantescos também transam.

Aliás, corpos com deficiência curtem trepar. O documentário espanhol Yes, we fuck mostra histórias de quem faz questão que o sexo seja mais que natural, inclusive em uma cadeira de rodas.

2. Lésbicas não transam para o prazer dos caras.

São mulheres autônomas, livres, que fazem sexo porque se curtem de verdade. Não tem nada a ver com performar para satisfazer o desejo masculino.

3. Não é NÃO. Fazer que alguém tenha qualquer interação sexual contra a vontade é assédio.

Só que nessas situações, é assédio sexual. E assédio sexual é crime. De acordo com o artigo 216 do Código Penal, “constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém normalmente de posição superior à vítima” tem pena de detenção entre um e dois anos. A mesma legislação enquadra como Ato Obsceno (artigo 233) quando alguém pratica uma ação de cunho sexual (como por exemplo, exibe seus genitais) em local público, a fim de constranger ou ameaçar alguém.

Títulos na Netflix para colocar na lista

Na Netflix, alguns destes filmes e séries estão disponíveis e tratam de diferentes aspectos do trabalho sexual e da pornografia por trás das câmeras. Já dá um print e coloca na lista!

1. Cam:

(Filme, 1h34min de duração). Uma camgirl com a popularidade em alta tem sua conta roubada por um sósia  e precisa identificar a farsante para reaver sua identidade.

2. Hot girls wanted:

(Filme, 1h22min de duração). Apresentado no Festival Sundance de Cinema de 2015, este documentário da produtora Rashida Jones investiga a indústria do pornô “amador” e as mulheres exploradas.

3. Pornocracy: the new sexy

The wonders of internet has made the shady industry of pornography rich, but is now in death cramps due to the piracy ruining the market, and forcing the participants to perform more extreme sex.

4. After porns ends

An exploration of the lives of several former adult performers who have retired from the porn industry.

Pornografia e feminismo

Pornografia e feminismo

O feminismo é o conjunto de movimentos políticos, sociais, ideologias e filosofias que tem como objetivo a libertação das mulheres, seu empoderamento e emancipação. Questões essas que trarão consigo a igualdade entre os homens e as mulheres. Pronto, parece fácil, mas como todo movimento político social, o feminismo tem várias vertentes e ondas das quais lutam por objetivos específicos, e você pode ler aqui sobre o feminismo de forma mais profunda. Aqui no Lábios Livres, você pode ler o Guia de bolso do feminismo no Brasil.

Onde a pornografia e o feminismo se abraçam?  Em substituição aos corpos curvilíneos e esculturais, imperfeição. No lugar do enredo sem diálogo, do sexo sem propósito e do prazer invariavelmente encenado, realismo. Saem de cena o homem controlador e a mulher obrigatoriamente servil, surge o protagonismo em filmes pornôs.

A pornografia feminista não é mera tendência, mas propõe uma alternativa aos tipos de filmes pornôs convencionais, conhecidos como "pornô mainstream" ou tradicionais, que por muitos anos buscaram entreter um público majoritariamente masculino.

São tantas as possibilidades do pornô feminista, a começar pela mais óbvia: a mulher é protagonista – mas não para por aí – toda a equipe por trás das câmeras, formada por diretoras e produtoras, também é composta por mulheres. É essa equipe que dá atenção à estética e aos detalhes de produção dos filmes e busca realidade em cena. E como você já imagina, a mulher em cena não é obrigatoriamente submissa, a não ser que seja a vontade dela. Também não há preconceito com corpos, mas há variedade de tipos no elenco, que busca fugir de estereótipos de filmes pornôs convencionais. Em entrevista cedida ao G1 em maio de 2018, a atriz pornográfica e camgirl brasileira, Emme White diz considerar-se feminista: “Quero ter essa liberdade de poder ser atriz pornô sem ser julgada nem condenada. Eu me sinto livre em frente às câmeras para fazer sexo. Gosto de sexo e não tenho vergonha de me mostrar fazendo sexo".

Conheça cinco sites que se propõem a produzir pornografia voltado ao prazer feminino:

  1. Bright Desire
  2. Crash Pad Series
  3. Sssh.com
  4. TRENCHCOATx
  5. MakeLoveNotPorn.tv
Pornografia feminista ou outra forma de exploração?

Pornografia feminista ou outra forma de exploração?

Professora sexual emérita de sociologia, a inglesa Gail Dines pesquisa e escreve há mais de 25 anos sobre a indústria pornô, tambem autora do livro Pornland: como a pornografia sequestrou nossa sexualidade. Algumas mulheres, como Gail, defendem a ideia que a pornografia chamada feminista não existe. Não é porque ela é voltada ao público feminino, que ela deixa de explorar corpos das mulheres sexualmente, em uma indústria que fatura milhões.

Nunca no capitalismo a mulher vai achar que tem escolha. Enquanto existir a indústria, o capitalismo vai continuar explorando corpos das mulheres. A pornografia não se importa com elas, ela se importa com lucro. Pornografia feminista é uma ideia liberal pra que você acredite que nesse meio uma mulher que faça sexo diante das câmeras é uma mulher que escolheu aquilo. Sexo por coerção econômica, não é sexo, é exploração,ou se você preferir, estupro. O que difere um pornógrafo homem de uma pornógrafa mulher é o gênero. Mulheres podem e exploram outras mulheres.

Entre deuses, exploracao sexual e feminismo, podemos chegar à conclusão que sexo e o desejo de sentir prazer faz parte da natureza humana, mas a pergunta que fica, é: aquilo que você consome para sentir prazer contribui com a violência de outro ser humano?