Como as mulheres transam? Aliás… Existe sexo sem a presença de um pênis? Camisinha para quê? Certo, acho que está na hora de conversarmos sobre algo importante: sexo entre mulheres e tudo - ou quase - que você precisa saber.
Sexo gay: Tabu judaico-cristão
Se eu perguntar para minha avó - ou qualquer religioso fervoroso - qual o objetivo final do casamento e do ato sexual, provavelmente a resposta será: construir uma família ou ter filhos. Se você perguntar para sua avó ou aquela tia que vai na igreja todo domingo, provavelmente a resposta será a mesma: sexo com o objetivo de procriação andam de mãos dadas desde quando o homem se tornou “civilizado”.
O problema dessa tal civilização (entre muitos problemas que fariam a epopéia de Homero se tornar um guia de bolso), é que com o advento e ascensão de religiões judaico-cristã, deixamos de nos questionar coisas fundamentais para a construção da nossa própria vida: Eu quero ter filhos? Eu quero casar? Eu gosto de homem, de mulher ou dos dois? Por que eu faço sexo? Se o sexo tem como finalidade única trazer ao mundo uma criança, então...Gays não deveriam transar?
Então, senhoras e senhoras, lhes apresento um grande tabu da missa de domingo: sexo entre mulheres.
Sociedade heteronormativa: tem jeito?
Não crescemos para ser gay e ponto final. Mesmo se você for hétero de carteirinha (e existe isso?), ao olhar para toda a construção da sua vida, vai perceber que muitas vezes não teve o benefício da dúvida sobre sua sexualidade: as narrativas da Disney sempre traziam o príncipe e a princesa, nas festas de família perguntavam onde estava seu namorado, as amigas da escola diziam que você deveria passar maquiagem para impressionar o menino nerd que sentava na primeira fileira.
Onde estão as princesas que se apaixonam por outras princesas? Por que nenhum parente pergunta se você conheceu alguma menina interessante, ou por que a colega não abre a hipótese que talvez você não esteja interessada no nerd na primeira fileira, mas na menina dos fundos com a camiseta do Nirvana? Hoje eu olho para toda a construção não apenas da minha vida, mas a construção de milhares de mulheres lésbicas/bi e homens gays e percebo que crescemos acreditando que havia apenas uma possibilidade de configuração afetiva: a heterossexual.
E a famosa pergunta engraçadinha que infelizmente entra na lista de “perguntas das quais uma mulher lésbica/bi desejaria parar de escutar”: “você é ativa ou passiva?”. Novamente, essa é uma ideia heteronormativa de sexo, onde há um ativo (homem, pênis) e um passivo (mulher, vagina, submissa). Além disso, é um termo machista que define papéis entre os casais, onde a mulher é sempre a receptiva. Essas definições não se enquadram no sexo entre mulheres, pois: vocês são duas mulheres e pronto, não existe homem da relação, afinal se fosse para existir um homem na relação, acredito que você seria hétero, ou bi em uma relação heteronormativa. Você pode ter preferência em dar prazer ou receber prazer, mas isso não significa que você sempre precisa cumprir um papel daquela que dá ou daquela que recebe prazer.
Relacionamento entre mulheres na grande mídia
Quem aqui nasceu nos anos 90, provavelmente lembra de um dos primeiros casais lésbicos a serem formados nas novelas da Globo, em Mulheres Apaixonadas, com as personagens Clara e Rafaela (sim, aquele casal que durante toda novela deu apenas um beijo, enquanto casais heterossexuais se esbanjam), que apesar de abordar relacionamentos entre mulheres de uma forma não tão direta, foi possível observar cenas de preconceito e situações que infelizmente até hoje são comuns entre mulheres lésbicas e bi.
É possível ver ao longo dos anos uma evolução nos meios de comunicação em massa, principalmente nos filmes, novelas e séries, em como são tratados os casais lésbicos. Isso é uma grande oportunidade de representatividade, visto que o telespectador pode consumir um conteúdo que ele se identifica com a narrativa e ao mesmo tempo abrir a mente para situações diferentes.
Vou deixar aqui alguns filmes, a maioria lançado agora em 2020/202, que tem como enredo da trama mulheres lésbicas: Happiest Season, Ammonite, The World to Come, As Horas, Tell It to the Bees e Carol.
Para mim é difícil escolher um favorito, mas sem dúvidas nenhuma quem procura um filme com uma abordagem mais política e baseada em fatos reais, o filme Boys Don’t Cry (com a maravilhosa Hilary Swank), conta a história real de Teena Brandon, uma mulher transgênero nos anos 70, e sua triste trajetória que até hoje é referência nos Estados Unidos quando se fala sobre preconceito.
Se você é fã de séries, a lista é maior ainda! E a notícia boa: muitas séries são adolescentes ou mantêm uma abordagem não tão pesada como muitos filmes adultos, quando se trata de relacionamentos entre mulheres, e eu acho que isso ajuda garotas adolescentes que estão descobrindo sua sexualidade ao identificar situações que elas podem viver no cotidiano. Essas são algumas delas (várias da Netflix!): Atypical, Dare Me, Ratched, I’m Not Okay with This, Tell Me Your Secrets e Ginny and Georgia.
Mesmo que algumas séries não tenham protagonistas lésbicas ou que o enredo seja construído a partir de assuntos LGBGQI+, acho importante encontrar personagens lésbicas / bi e começar a naturalizar casais gays em filmes e séries de outras temáticas.
Desmistificando o sexo entre mulheres
Primeiro de tudo: esqueça aquela imagem de sexo lésbico vinculado aos filmes pornôs que teu irmão assiste escondido de madrugada. Os filmes pornôs, em sua grande maioria são feitos por homens e para satisfazer homens, nada vinculado ao real prazer feminino, além de muitas vezes contribuir com a violência contra a mulher.
Se você é mulher que ama outra mulher, provavelmente já te perguntaram como você faz sexo ou se sente falta de um penis (novamente a sociedade heteronormativa colocando o penis como centro do mundo, onde só é possível ter prazer com um homem), né? Para surpresas de muitos e infelicidade de muitos homens de ego frágil, venho apontar alguns estudos. Aqui vai um trecho de uma matéria publicada pela Revista Galileu em 2018:
“Em 2014, o Instituto Kinsey no Reino Unido, mostra que entre as mulheres heterossexuais, foi observado que elas sentem prazer em apenas 63% das relações, enquanto mulheres lésbicas têm orgasmos em 75% das vezes. Já na Universidade do Indiana nos Estados Unidos, concluiu que os homens atingem o orgasmo em 85 por cento dos casos, quando têm relações com o parceiro habitual ao passo que nas mulheres heterossexuais a percentagem baixa para os 63 por cento. Este número aumenta para 75 por cento no caso das lésbicas e baixa para 69 por cento nas bissexuais(...)”
Você está surpresa e quer saber porque isso acontece? Elencamos alguns motivos:
- Mulheres em sua maioria estão preocupadas em dar e receber prazer, tornando o ato sexual igualitário, sendo o sexo heterossexual em grande maioria focado em satisfazer o homem;
- É (infelizmente) normal que homens não saibam fazer sexo oral. Essa sem dúvida nenhuma é uma questão que está entre 8 das 10 queixas das minhas amigas hétero. Por incrível que pareça, a maioria dos homens que conheço não gostam de abocanhar suas parceiras ou simplesmente enfiam a língua no clítoris e acham que ficar ali fazendo qualquer coisa com a língua significa sexo oral de qualidade.
Tá, mas eu já te convenci que nós mulheres somos muito melhores de cama (rs)? Brincadeiras à parte, é importante lembrar que o prazer além de individual é uma caixa cheia de possibilidades, sendo impossível padronizar o mesmo.
Sexo é muito mais que literalmente um pênis entrando na vagina, sexo é explorar todos os sentidos, brincar com os cheiros, sabores, texturas. São os dedos, os pés, os lábios e o que mais você quiser! Vai dos brinquedos do sex shop às fantasias que atiçam a sua imaginação, por que não?
O problema não está na falta do pênis, mas sim em pensar que só existe sexo com a presença do mesmo, ignorando que:
- Pênis não é o centro do mundo (por mais que muitos homens achem que sim);
- O corpo feminino tem muitas zonas erógenas e diferentes tipos de orgasmos além do vaginal;
- Mulheres transam com mulheres desde os primórdios, e se estivesse "faltando algo", garanto que não existiriam mulheres lésbicas ou bi, além do fato de afeto e sexo serem coisas diferentes, sendo possível amar uma mulher mas não sentir desejo sexual (mas isso é outra história).
Segue alguns estudos ou institutos que mostram dados e pesquisas referente ao assunto:
- Pesquisa que propõe um plano eficiente para a saúde e bem-estar da comunidade gay e bissexual, realizada pelo instituto Public Health England (PHE).
- Diferenças na frequência de orgasmo entre gays, lésbicas, bissexuais e heterossexuais, estudado e publicado pelo professor de psicologia David Frederick na University of Chapman na Califórnia.
- O Instituto Kinsey no Reino Unido é focado em pesquisas sobre relacionamentos e sexualidade para promover educação e melhor entendimento sobre o assunto. Vale dar uma olhadinha por lá sempre que houver curiosidade!
E se você tiver interesse em sites de conteúdo erótico que não mostrem apenas sexo lésbico sem o fetiche masculino, mas sites pornôs que foram construídos com foco em corpos reais e prazer real, segue algumas indicações: Bright Desire, Crash Padseries, SSSH e Make Love not Porn.
É a sua primeira vez com outra mulher?
É normal se descobrir lésbica ou bi depois de adulta, ou mesmo sentir vontade de realizar alguma fantasia sexual. Então, se essa é sua primeira vez com uma mulher, antes de tudo, já digo: não há um manual sexual ou passo a passo para ser seguido, afinal, é sexo e não uma receita de bolo. É claro que é importante ser honesta com sua parceira sexual e dizer que é sua primeira vez, perguntar e expressar o que gosta e não gosta na hora do sexo, mas eu parto do princípio que sexo é instintivo, e acredite, você sempre vai saber o que fazer quando o tesão bater.
Mas, pensando que eu adoraria ter tido na adolescência uma “Atrevida” ou “Toda teen” para me aconselhar na minha primeira vez com outra mulher, listei alguns pontos e dicas que podem te auxiliar:
- A maioria das mulheres que transa com outras mulheres mantêm as unhas cortadas, pois pode machucar a parede uterina ou transmitir alguma bactéria se você estiver com as unhas cumpridas.
- Lembro quando foi minha primeira vez com uma menina, e eu estava com várias dúvidas na cabeça: onde enfio a mão? Como faço sexo oral? Mas no fim, sexo é como quase tudo na vida: você precisa praticar, se entregar ao processo, ter algumas experiências ruins e conhecer a si mesmo! Conhecer o seu corpo e o que te dá prazer vai te auxiliar bastante.
- Lembre-se que: tudo que você tem, sua parceira sexual também tem, então talvez seja mais fácil pensar que provavelmente o que te dá prazer, seja algo parecido com o que ela sente. Mas na dúvida: sempre pergunte! Sexo com diálogo é sempre melhor.
- Esqueça grandes performances de filmes lésbicos ou posições do Kama Sutra. Não tente impressionar sua parceira logo de primeira. Prestar atenção nos movimentos dela e deixar ela te guiar, caso você não saiba o que fazer, pode ser um bom começo.
- Muitas mulheres infelizmente tem nojo da própria vagina e ainda veem com um certo tabu o ato de tocar-se. Isso é uma construção patriarcal que diz coisas como: “ sua vagina é suja”, “corrimento é nojento”, "menstruação é nojento". Então, não esqueça que é completamente normal as vaginas terem cheiro e corrimento, e desde que sua saúde ginecológica esteja em dia, não terá cheiro forte, por exemplo. Essa é a hora de deixar o nojo de lado, e desconstruir ideias sobre o seu corpo e o de outra mulher! Mas você não é obrigada, nunca, a fazer algo que não se sinta confortável, ok?
Relacionamentos lésbicas e o fetiche sexual
Se eu ganhasse R$ 1,00 para todas as vezes que um homem me perguntasse se eu quero fazer um ménage, eu estaria agora morando em uma mansão em Hollywood. Está tudo bem fazer ménage, aliás, está tudo bem fazer quase tudo que te dá prazer - ênfase no quase tudo -, mas não está tudo bem alguém transformar o seu afeto em um fetiche heterossexual.
Recentemente, o Google tirou a palavra “lésbica” do algoritmo de pornografia. Além disso, nos últimos anos há um movimento que vem surgindo nas mídias contra a fetichização de papéis lésbicos. Se você assistiu Azul é a Cor Mais Quente sabe do que eu estou falando, e se não assistiu, eu te falo: o filme, entre muitas problemáticas, acaba transformando toda a narrativa do mesmo baseada em cenas de sexo, das quais tenho certeza que servirão apenas para homens se masturbarem e reforçarem uma imagem estereotipada das lésbicas, que está totalmente vinculada a uma imagem sexual.
Já em alguns outros filmes, como I Care A Lot do Netflix, podemos ver uma história diferente: aqui, conhecemos duas vigaristas que formam um casal. Porém, a narrativa do filme não se baseia no romance entre duas lésbicas, e sim nos golpes que ambas tentam aplicar, o que torna elas apenas... um casal. Esse é o ponto: transformar casais de mulheres em apenas duas pessoas que trabalham, estudam, brigam, transam, tem uma vida “normal”, tirando todo esse olhar sexual em volta de casais lésbicos.
Você já parou para pensar nisso? Já parou para pensar em todos os filmes com protagonistas lésbicas que enfatizam essa imagem sexual e reforçam os estereótipos de mulheres bi, por exemplo, como amantes de ménage e que vão te trair pois não conseguem controlar o desejo por ambos os sexos?
Mulheres Lésbicas e saúde sexual
Mas quando falamos de sexo entre mulheres esquecemos de um tópico muito importante: as doenças sexualmente transmissíveis (não existirem seria bom demais para ser verdade, né?).
Novamente, o mundo das campanhas de DSTs e camisinhas se concentram na prevenção de filhos e sexo heterossexual. Afinal, quantas campanhas vocês já viram sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis no sexo lésbico na televisão, jornais ou nas ruas? Sinceramente, se eu vi esse tema ser abordado três vezes, foi muito.
A transmissão de doenças como sífilis, herpes genital, HPV, ou mesmo tricomoníase, gonorreia e clamídia é perfeitamente possível. Mesmo que a transmissão de HIV entre duas vaginas seja consideravelmente menor, ninguém quer correr o risco, né? Outro ponto fundamental é o fato de muitas mulheres lésbicas serem tratadas como virgens ao irem no ginecologista pois o mesmo não considera sexo sem a presença de um falo como sexo, ignorando possíveis exames que possam detectar alguma doença ginecológica.
Então, o que fazer nesse caso?
O Coletivo Feminista conta com profissionais mulheres que trazem o atendimento à saúde da mulher com um olhar humanizado. Eu também indico a Obstetra Juliana Tornizielo, que inclusive deu uma palestra sobre Saúde e Sexualidade da Mulher Lésbica/Bi na Festa Fancha, em 2020.
Agora que você já sabe que sexo entre mulheres não é coisa de um outro mundo ou um bicho de sete cabeças, que doenças podem ser transmitidas sexualmente entre vaginas e que você não só pode, mas deve, procurar uma ginecologista da qual respeite sua sexualidade, que tal levar essas informações adiante? Compartilhe com sua amiga lésbica/ bi e vamos fazer o sexo entre mulheres deixar de ser um tabu.