A ninfomania é uma palavra usada como piada e até xingamento. As suas raízes contam uma história sobre a construção sexual da mulher.
Ao ler o texto você aprende:
- O que é a ninfomania;
- Causa, diagnóstico e tratamentos;
- Ninfomania e a construção histórica da sexualidade feminina;
- Ninfomania no século XXI e a livre-sexualidade feminina.
Um dos grandes nomes quando o assunto se trata de “ninfomania” é Carol Groneman, professora de História no John Jay College de Justiça Criminal/Universidade da Cidade de Nova Iorque, co-autora de corporate Ph.D: The Humanities and business, e co-editora de To Toil the Livelong Day: America’s Women at work, 1780-1980.
Groneman escreveu uma das obras mais referenciadas sobre ninfomania. O texto do Lábios Livres se refere, principalmente, à obra marco dos anos 2000. O objetivo é sintetizar as conclusões do estudo e dar luz às raízes de um diagnóstico tão popular, ora repressor para a sexualidade feminina.
O que é ninfomania
No seu estudo, a autora descreve como a ninfomania era considerada uma doença orgânica e depois tornou-se um distúrbio psicológico. Atualmente parece ter assumido uma conotação mais humorística, embora ainda persista um lado mais sinistro.
A definição do que é ninfomania não é homogênea na História.
O desenvolvimento de especialidades médicas, como ginecologia, neurologia e psiquiatria, ao longo do século XIX, levou a conflitos internos na medicina, em que cada especialidade promovia sua própria explicação fisiológica e tratamento para doenças consideradas femininas.
A ninfomania, por outro lado, permaneceu depreciada, apesar das tentativas de classificar seus sintomas e categorizar suas causas, com base em princípios científicos.
Alguns especialistas como neurologistas e alienistas (nome dado antigamente para psiquiatras), procuravam causas fisiológicas para a ninfomania em lesões cerebrais, alterações nos vasos sanguíneos do cérebro, expansão dos ossos cranianos, ou fibras nervosas hiper excitadas. De modo geral, discordavam da "teoria uterina", segundo a qual a doença era causada por problemas nos órgãos genitais. Com isso, esperavam poder diagnosticar, tratar e talvez curar a ninfomania.
Causa, diagnóstico e tratamentos
A medicina não era um bloco monolítico no século XIX, e os médicos não falavam com uma só voz sobre as doenças das mulheres. Além disso, as pacientes e sua família tinham tratamentos alternativos para escolher: homeopatia, hipnose, hidroterapia (cura pela água), e remédios populares.
As várias especialidades médicas desenvolviam teorias, definições e tratamentos concorrentes, especialmente para diagnósticos tão imprecisos quanto à ninfomania.
Os neurologistas relacionavam a causa entre o cérebro e o sistema nervoso para explicar casos de homens e mulheres hipersexualizados. Os exames post-mortem (autópsia; posterior à morte) analisavam o líquido espinhal e esperavam encontrar alguma evidência que pudesse ajudá-los a tratar esses distúrbios. De forma geral, a pesquisa neurológica não encontrou evidências orgânicas ligando a ninfomania ao cérebro. Mesmo assim, por falta de alternativas, os neurologistas continuaram a recomendar o tratamento da doença com compressas frias, longos períodos de inatividade sexual forçada, e outros recursos voltados para o cérebro e o sistema nervoso.
Os alienistas (antiga psiquiatria) consideravam, assim como os neurologistas, o cérebro e o sistema nervoso como a origem do distúrbio. Eles também identificavam menstruação suprimida e desordenada como sintomas de doenças nervosas e mentais femininas.
Os alienistas mais progressistas defendiam a tese do "tratamento moral": as maníacas e outras diagnosticadas como insanas não deveriam mais ser confinadas em porões e sótãos, mas internadas em instituições especiais e tratadas com um ambiente agradável, um trabalho simples e um "modo de viver regular".
Se alguns dos médicos do século XIX localizavam as doenças das mulheres em lesões do cérebro ainda desconhecidas ou no sistema nervoso em tensão extrema, a ginecologia enfatizava o papel dos órgãos reprodutores e da mente.
Aqui é importante entender como a ginecologia ainda não era uma especialidade médica respeitada no século XIX. Os médicos precisaram conquistar reconhecimento profissional e ultrapassar a barreira social de haver homens examinando a genitália feminina.
No início do século, o médico em geral examinava uma paciente totalmente vestida, fazia perguntas exploratórias, verificava seu rosto, mãos e pés, depois apresentava o diagnóstico sem realizar um exame físico no órgão genital feminino.
Na metade do século, os ginecologistas começaram a usar o espéculo (precursor do instrumento atual, usado para introduzir no canal vaginal). A prática foi bastante criticada pela esfera moral da sociedade. Um crítico, inclusive, foi contundente ao manifestar sua apreensão que o uso do espéculo pudesse despertar desejos nas mulheres, levando à ninfomania.
Como o livro retrata detalhadamente, as pacientes também influenciavam o conceito de ninfomania, pela maneira como descreviam seus sintomas para o médico. Por exemplo, o caso relatado pelo Dr. Homer Bostwick, autor de A Treatise on the Nature and Treatment of Seminal Diseases, Impotency and Other Kindred Affections, em sua oitava edição, em 1855, encontramos uma mulher assim, que se apresenta como tão inflamada pela paixão que teme a possibilidade de enlouquecer.
Ninfomania e a construção histórica da sexualidade feminina
Como uma doença, a ninfomania é um conceito relativamente moderno, mas suas raízes são antigas, O médico grego Galeno, no século lI, por exemplo, acreditava que a fúria uterina ocorria particularmente entre jovens viúvas, cuja perda da satisfação sexual podia levá-las a loucura. Com base na teoria de que os humores do corpo deviam ser mantidos em equilíbrio, textos médicos gregos antigos presumiam que as mulheres, porque seus humores eram frescos e úmidos, precisavam do intercurso sexual para abrir, aquecer e drenar o sangue. Isso levava a um desejo insaciável de sêmen por parte das mulheres; o que resultou, diante de sua capacidade menor para controlar esses desejos, na convicção de que as mulheres eram mais carnais do que os homens.
As idéias médicas sobre a insaciabilidade sexual das mulheres, combinadas com o legado religioso que considerava Eva como uma sedutora, permaneceram essencialmente intactas até o século XVIII. Nessa ocasião, começou a ocorrer uma mudança drástica na compreensão da sexualidade feminina. Em consequência, as noções modernas de ninfomania, como a fúria uterina pouco a pouco passou a ser chamada, refletiam premissas muito diferentes sobre o desejo sexual feminino.
Essa extraordinária transformação das pressuposições sobre a sexualidade feminina aconteceu, em graus variados, em todo o mundo ocidental.
O ideal feminino de "ausência de paixão" permitia que as mulheres reivindicassem uma posição moral superior. Ao mesmo tempo, o novo ideal feminino também instalava firmemente as mulheres num pedestal. Dessa posição elevada, seu papel singular na nova república seria o de domar as paixões dos homens e manter a pureza do lar, sem participar do mundo público de trabalho e política.
Durante o século seguinte, a medicina apoiou cada vez mais essa articulação das diferenças inerentes entre homens e mulheres. Considerem a seguinte ilustração: Os desenhos anatômicos da Renascença mostravam os órgãos reprodutores das mulheres como uma versão interna dos órgãos masculinos. Ou seja, a vagina era um pênis invertido, que não desceria porque as mulheres tinham menos calor. No século XIX, essas imagens deram lugar a um novo modelo de órgãos geradores masculinos e femininos como totalmente diferentes. É um dos muitos exemplos da profunda mudança que reconheceu homens e mulheres como muito diversos, não apenas no corpo, mas também na mente e na moral.
É claro que os médicos não determinaram como a maioria das mulheres se comportava de fato no quarto. O problema é que a própria medicina passava por uma transformação nesse período. A sociedade ainda não concedera aos médicos a posição que eles alcançariam mais tarde.
Mesmo assim, os médicos e a grande maioria dos homens ajudaram a legitimar um código de comportamento sexual baseado em rígidas distinções entre atividade feminina e masculina.
Apesar de tudo, as convicções médicas e também as populares consideravam que a luxúria - embora precisando ser controlada --era um estado natural para os homens, embora não mais se presumisse que também era para as mulheres.
Em consequência, o equivalente masculino da ninfomania, a satiríase, era diagnosticado com muito menos frequência, e tratado de uma maneira muito diferente. Em termos mais específicos, os sintomas de flerte, olhares sedutores, e outros comportamentos às vezes classificados como ninfomania nas mulheres, não constituíam uma doença nos homens: Don Juan, no final das contas, era celebrado como um herói. Quando diagnosticada, a satiríase raramente era tratada pela castração, o equivalente da clitoridectomia e ovariectomia recomendadas por alguns médicos para a ninfomania.
No século XIX, o caráter inato das mulheres - antes luxurioso- foi recriado como recatado e submisso. Isso não significava que se considerava que as mulheres eram desprovidas de desejo sexual; e, na verdade, apenas alguns poucos médicos defendiam essa posição radical. A atenção médica focalizava mais o potencial para que o desejo sexual dominasse as mulheres.
Por natureza menos apaixonadas do que os homens, as mulheres eram também consideradas menos racionais.
O que significava que eram bastante vulneráveis à ninfomania e outras doenças "sexuais", especialmente durante os "períodos críticos" da puberdade, menstruação, parto e menopausa. De uma maneira contraditória, a teoria médica, assim como os sermões e a literatura de conselhos, elaboraram um novo ideal de feminilidade: mais virtuosas e castas do que os homens, seus desejos vinculados ao papel maternal em vez do sexual, as mulheres deveriam agora assumir a arbitragem moral nos relacionamentos entre os sexos. O novo "anjo da casa", sexualmente passivo, definido por esse conjunto de convicções, era sem dúvida de classe média e bem-educado. Como um reflexo dos estereótipos raciais e de classe predominantes, a maioria dos observadores vitorianos presumia que só as melhores classes poderiam corresponder a essa imagem idealizada.
Eram mulheres de classe média que ativamente procuravam relações sexuais, experimentavam um intenso desejo sexual, masturbavam-se, até sonhavam com sexo. Num mundo que acreditava que as mulheres eram sexualmente passivas, os desejos sexuais insaciáveis e fora de controle da ninfomaníaca expunham todas as contradições desse modelo.
A medicina é o ponto de partida para este estudo da ninfomania, mas a história estende-se além da medicina, até o direito, a psicologia e a cultura popular, inclusive a interação entre eles.
Como a ninfomania vista através das lentes jurídica, médica, psicológica e popular é um conceito muito ambíguo, apresento sua história não como uma narrativa direta, mas em capítulos de várias camadas, organizados em torno de dois temas superpostos.
A ninfomania é uma metáfora, incorporando as fantasias e medos, as ansiedades e os perigos relacionados à sexualidade feminina, ao longo dos séculos. Ao pesquisar seus muitos significados, em mais de duzentos anos, vemos como se refletem com absoluta clareza nos olhos do observador. Um dos mais famosos estudiosos do sexo no século XX, Alfred Kinsey, registrou essa idéia em sua definição de uma ninfomaníaca: "alguém que faz mais sexo do que você". Ao examinar as descrições médicas, legais, psicológicas e populares de mulheres "hipersexualizadas" como
doentes, percebemos o quanto refletem a cultura que as produziu. Ao longo do tempo, especialistas de várias áreas -médicos, psicólogos, psicanalistas, advogados, bioquímicos, sexólogos, criminologistas- têm alegado que dizem a verdade sobre a sexualidade feminina. Sob a cobertura da objetividade, eles consideram que a sexualidade é universal, inata, e com determinação biológica.
Mas os muitos aspectos que a ninfomania tem assumido sugerem que o oposto: não há essência interior inalterável, nada que esteja livre de influências externas. O sexo não está apenas no corpo; muitas forças, inclusive o que se considera "nor-
mal" ou "natural" na ocasião, moldam seu significado. Uma avaliação das teorias e opiniões dos especialistas nos lembra o quanto essas noções supostamente científicas são, no fundo, uma reformulação de estereótipos mais antigos sobre as mulheres. Num mundo cada vez mais focalizado na ciência como a base da verdade, essas idéias influenciaram profundamente atitudes não apenas na medicina, psicologia e direito, mas também na cultura popular.
Os casos clínicos descritos no livro possuem todos os elementos que moldam a noção do século XIX sobre a doença: imaginação exacerbada, desejo incontrolável, leitura de romances, luta moral, e um inevitável declínio para a loucura.
Esses sintomas explicitam como a sexualidade feminina era vista.
Em vários casos descritos, a definição de ninfomania não era apenas uma prerrogativa do médico. As pacientes partilhavam ideias similares sobre o corpo e as paixões. Também se mostravam desconfiadas e assustadas com os sentimentos "anti-naturais" interpretando-os como um sintoma de doença sexual.
Teorias cada vez mais pessimistas alegavam que o comportamento depravado em uma geração era passado adiante, tornando-se inato na geração seguinte. Isso acarretava crescentes temores sobre a capacidade humana para o progresso e melhoria. Se uma filha podia herdar a ninfomania de sua mãe ou tia, de que adiantariam as exortações morais para resistir aos desejos sexuais?
O comportamento sexual de todos os tipos foi submetido a um novo escrutínio: o aborto foi criminalizado, a doença venérea atacada, a prostituição combatida, e a pornografia reprimida. Antes não mencionado, o comportamento sexual passou a ser amplamente discutido na literatura médica, criando-se distinções ainda mais sutis entre o chamado sexo normal e anormal. A preocupação, tanto moral quanto higiênica, focalizava em particular o sexo que não era procriativo nem heterossexual.
Os estudos de casos detalhavam de forma tétrica uma miscelânea de "perversões" igualmente aflitivas, incluindo cunilíngua, felação, fetichismo, "homossexualismo", masoquismo, necrofilia, ninfomania, pederastia, sadismo, satiríase e voyeurismo.
Em vez de focalizarem o próprio ato que constituía o desvio sexual, aqueles que estudavam o sexo começaram a analisar o próprio caráter dos pervertidos sexuais. Segundo o sexologista austríaco Richard von Krafft-Ebing, em seu estudo que logo se tornaria clássico, Psychologia Sexualis (1886), a doença e a patologia caracterizavam a identidade individual de ninfomaníacas, homossexuais, e outros pervertidos.
Uma mulher não tinha mais apenas ninfomania; em vez disso, ela era uma ninfomaníaca perigosa antinatural, e sexualmente fora de controle. Todas as mulheres sexualizadas-ninfomaníacas, prostitutas e lésbicas passaram a ser agrupadas. Ao que se supunha, as ninfomaníacas eram levadas à prostituição para satisfazer seus desejos; as prostitutas eram muitas vezes lésbicas.
Esses grupos de mulheres sexualizadas desafiavam as noções convencionais de maneiras diferentes, embora relacionadas. Muito desejo sexual é uma atividade sexual excessiva em mulheres não eram coisas naturais; portanto, as ninfomaníacas e prostitutas eram anormais e pervertidas.
Como os sexólogos reconheciam o "heterossexualismo" como o modelo de relações sexuais normais, eles também classificavam as relações sexuais entre duas mulheres como pervertidas. Presumiam que uma das parceiras femininas num relacionamento lésbico devia ter "invertido" seu papel, assumindo a busca ativa da satisfação sexual, algo reservado para os homens. Era esse papel, em vez do que os sexólogos presumiam ser a parte "passiva", supostamente desempenhada pela parceira, que a caracterizava como uma pervertida sexual. A mulher "passiva" num relacionamento lésbico muitas vezes não era considerada como uma "autêntica" lésbica.
Todas essas mulheres desafiavam as normas do final do século XIX, que exigia ao mesmo tempo a moderação sexual e a adesão a papéis sensuais bastante diferenciados. Lésbicas, ninfomaníacas prostitutas e, como outras mulheres que se recusaram a aceitar o lugar que lhes era designado, como sufragistas, feministas e mulheres que trabalhavam fora, eram representadas não apenas como doentes, mas também como perigosas.
Determinados defensores do status quo classificavam toda uma gama de mulheres que se desviavam dos rígidos limites da feminilidade como uma ameaça à família, à ordem moral, até mesmo à civilização.
Ninfomania no século XXI e a livre-sexualidade feminina
De todos os lados, nas primeiras décadas do século XX, vinha o clamor de que estava ocorrendo uma grande "revolta contra os padrões antigos, diferente de qualquer outra".
Ao mesmo tempo, surgiam novas maneiras de pensar sobre o sexo.
A partir das obras no final do século XIX do fundador da sexologia, Richard von Krafft-Ebbing, através dos textos prolíficos do pioneiro britânico da reforma sexual, Havelock Ellis, e chegando à descrição de Sigmund Freud sobre o papel do inconsciente no desejo sexual, o sexo passou a ser compreendido como uma força propulsora, não apenas no corpo, mas também na psique. Essas novas teorias psicológicas ressaltavam que a sexualidade era fundamental para o pleno desenvolvimento dos seres humanos, para sua identidade, personalidade e senso do eu.
Na década de 1960, essas idéias acabariam levando a uma ênfase muito maior na exploração e expressão sexual.
Estava ocorrendo uma mudança sísmica, à medida que o ato sexual assumia uma importância ainda maior, tornando-se responsável por tudo, de consolidar os vínculos do casamento a proporcionar uma saúde mental melhor?
Essas ondas de choque sexuais afetaram tanto os homens quanto as mulheres. Mas, como veremos, foi o rompimento com as noções vitorianas idealizadas sobre a sexualidade feminina que acarretou as maiores mudanças.
Importantes transformações acompanharam o novo século em mais áreas do que a psicologia. Por todos os Estados Unidos, as mulheres foram trabalhar fora de casa, em fábricas urbanas, lojas e escritórios, em números sem precedentes. As empregadas em escritórios mais do que dobraram, à medida que as mulheres davam os primeiros passos, ainda hesitantes, para o afastamento a longo prazo do serviço doméstico, até ocuparem seu lugar em vendas, serviços, e outras ocupações em expansão. Na instrução superior, as mulheres aumentaram de menos de um quinto para mais de um terço de todas as pessoas que se formavam em faculdades, nos primeiros vinte anos do século.
A presença das mulheres como trabalhadoras e consumidoras nesses vários locais públicos desafiavam a noção idealizada da geração anterior, de esferas separadas para homens e mulheres: a dela em casa, na cozinha, no quarto da criança, a dele no mundo do trabalho e da vida pública. Dependendo do ponto de vista, os contemporâneos consideraram que essa mistura dos sexos, sem precedentes, poderia levar a uma realização pessoal há muito atrasada, ou ao colapso social.
A ninfomania, agora entendida como uma manifestação da psique, além do corpo, expandiu-se para algo complexo, às vezes paradoxal.
Não apenas sexo demais, mas também o sexo agressivo, o tipo errado de orgasmo, e uma categoria abrangente de mulheres "masculinizadas", tudo se tornou uma indicação de distúrbio mental. Não mais científicas do que as definições anteriores, de base orgânica, os significados mais amplos da ninfomania refletiam os medos e ansiedades provocados pela mudança de papéis das mulheres; assim como pelas novas explicações psicológicas da sexualidade. Surgiram novas categorias de ninfomania, para incluir os grupos de mulheres que lutavam para alcançar uma liberdade pessoal maior.
A ninfomania agora ameaçava as esposas em busca de satisfação erótica nos quartos da América, as jovens trabalhadora sexualmente ativas que saíam para uma noite de diversão, e as mulheres preocupadas com sua carreira profissional, cuja vida independente desafiava as noções tradicionais de feminilidade.
Na década de 1960, a pesquisa científica parecia confirmar uma conclusão surpreendente: as mulheres possuíam uma capacidade ilimitada para desfrutar o sexo. Baseados em dez anos de pesquisas, William Masters e Virginia Johnson concluíram, em 1966, em seu livro de grande sucesso, Human Sexual Response, que a fêmea humana era muito mais sexualizada do que antes se supunha. "Muitas mulheres, em especial quando há estimulação do clitóris, podem ter regularmente 5-6 orgasmos em questão de minutos."
Generalizando a partir da experiência de voluntárias, cujos orgasmos mediram e registraram, Masters e Johnson declararam que quanto mais orgasmos uma mulher tinha, mais ela podia ter; e mais intensos os orgasmos se tornavam. Esse modelo de desejo sexual feminino "ninfomaníaco" ou ilimitado como normal assinalava uma drástica transformação das alegações anteriores de que uma mulher precisava de um Príncipe Encantado para despertar sua sexualidade de Bela Adormecida.
A pesquisa de Masters e Johnson contestou o ponto de vista médico predominante de que essas mulheres multiorgásmicas (orgasmos múltiplos) eram "aberrações".
Além da surpreendente conclusão sobre a capacidade sexual feminina, Masters e Johnson também apresentaram descobertas de pesquisas que contestavam as noções vitorianas persistentes de que as mulheres eram sexualmente menos desejosas, menos responsivas e menos orgásmicas do que os homens.
Destruir essas suposições antiquadas fora a intenção de Masters e Johnson desde o início da pesquisa. Como a maioria dos cientistas sexuais do século XX, eles achavam que as noções tradicionais de interesse sexual menor das mulheres criara muitos casamentos infelizes.
Um aspecto fundamental da pesquisa foi a alegação de que todos os seres humanos passam por um ciclo de reações sexuais que é virtualmente idêntico. Com isso, estavam querendo dizer que os homens e as mulheres reagem aos estímulos sexuais em quatro estágios idênticos: excitamento, platô, orgasmo, e resolução.
Baseados nas medições de mais 10.000 orgasmos femininos e masculinos, esse ciclo de quatro estágios contestava grande parte da sabedoria tradicional sobre a sexualidade, No melhor estilo científico, eles apresentaram essa conclusão como uma medição objetiva e desprovida de valores, sobre a maneira como todos os corpos humanos reagiam sob o estímulo sexual.
Não obstante, pesquisas posteriores haveriam de sugerir que as semelhanças que eles alegavam no ciclo de reação sexual humana eram mais ideológicas do que reais.
Na passagem para o século XXI, as mulheres sensuais sorriem e acenam de toda parte: nas primeiras páginas das revistas de supermercados e nos anúncios em laterais de ônibus; desejando o marido da vizinha nos programas de entrevistas na TV e apregoando suas proezas sexuais diante de audiências pagas.
Não mais um diagnóstico médico, a idéia de ninfomania ainda perdura na cultura popular, embora seu significado seja vago e incerto. Muito desejo sexual, até mesmo muitos parceiros sexuais, não classifica automaticamente uma mulher como "doente", da mesma forma que poderia acontecer no passado.
A mulher que diz "Fui um pouco ninfo na semana passada", manifesta ao mesmo tempo um intenso prazer e uma pequena ansiedade por seu comportamento, mas presumivelmente ela não pensa que sua saúde mental corre algum risco.
O fato de que as ninfas felizes se manifestam publicamente indica a chegada de novas regras sexuais, uma mudança na linha do que era considerado comportamento sexual apropriado, em particular para as mulheres.
Mas o mesmo senso antigo de apreensão ainda espreitava na exposição difundida: Quanto sexo era demais? Quanto não era suficiente? E quem decidia?
Uma contra-revolução sexual adquiriu impulso na década de 1980, refletindo essas ansiedades. Um movimento conservador em ascensão atacou o que era percebido como um colapso da moral ao melhor estilo de Sodoma, manifestado através do sexo pré-conjugal, direitos dos gays, aborto, pornografia, e educação sexual. Ao mesmo tempo, o início do reconhecimento do horror da AIDS proporcionou munição adicional a um público em pânico. Do meio dessas areias movediças culturais, a ninfomaníaca assumiu outra imagem: a "viciada em sexo". Nesse modelo inspirado pelos Alcoólicos Anônimos, o sexo como o álcool e as drogas podia levar a um comportamento viciado.
Considerar o vício sexual como uma doença tem o seu lado negativo. Encarar o desejo sexual como algo dentro do corpo ou da psique - uma força interna explosiva, precisando de controle, repressão e regulamentação ignora todas as outras influências que moldam a sexualidade.
Um modelo médico restrito ofusca a necessidade de mudança social, enfatizando exclusivamente as soluções individuais. É interessante observar que houve uma reviravolta no debate antigo de ninfomania contra satiríase, que caracterizava qualquer mulher sexualmente ativa como ninfomaníaca, mas quase nunca diagnosticava o equivalente masculino com satiríase. Hoje, é mais provável que o vício em sexo exiba um rosto masculino, inclusive jogadores de basquete profissionais, astros do cinema, e até um presidente dos Estados Unidos.
No início do século XXI, a ninfomania não é mais uma categoria significativa como uma doença orgânica ou um distúrbio mental específico. E, no entanto, ainda persiste na cultura popular, personificada pela ninfa feliz, por um lado, e pela criança vítima de abusos que cresce para se tornar uma viciada em sexo, pelo outro. Igualmente superficiais e bidimensionais, essas novas versões dos estereótipos familiares sobre a sexualidade feminina sugerem que as antigas perguntas ainda não foram respondidas de uma maneira satisfatória: Quanto é demais? Quanto é suficiente? E quem decide?
*O texto do Lábios Livres se refere, principalmente, à obra marco dos anos 2000 "Ninfomania: história", de Carol Groneman. O objetivo é sintetizar as conclusões do estudo e dar luz às raízes de um diagnóstico tão popular, ora repressor para a sexualidade feminina. Os trechos aqui resumidos não representam a totalidade da obra.