Texto por Laura Beatriz, jornalista.

Muito se ouve falar sobre slut-shaming. Mas o que isso quer dizer realmente? O que tem a ver com as nudes de Pamela Anderson e Carolina Dieckmann?

Neste texto você vai entender como os julgamentos da sociedade (hipócrita) contemporânea afetam as escolhas e vivências sexuais femininas, dificultando seu processo de autoconhecimento e descobertas, e rodeando-as de medos e inseguranças.

Nesse texto, você entende:

  • Entende como os julgamentos da sociedade diante da sexualidade femininas afetam suas vivencias;
  • Compreende o que é slut shaming e o seu papel na fomentação de pensamentos machistas;
  • Conhece o caso de Pamela Anderson e sua ligação com o termo.
  • Relembra o caso Carolina Dieckmann no Brasil

Se você, mulher, se sente confortável o suficiente para enviar uma foto nua para alguém, qual o problema? Por brincadeira ou puro tesão, essa atitude não deveria precisar de explicações.

Há muitos debates e narrativas acerca da liberdade do corpo feminino, a sociedade exige que sempre estejamos prontas para nos justificarmos sobre situações que deveriam ser simples e só desrespeitam a nossa individualidade. Explicações sem pé nem cabeça para atitudes que unicamente nos pertencem.

A violência contra as mulheres e a objetificação de nossos corpos, assim como o machismo e a misoginia, são fatores que favorecem para que tenhamos medo e insegurança acerca de nossas decisões e vontades. Não só isso, o medo de ser julgada existe porque verdadeiramente ainda somos julgadas, diariamente. Nas mínimas falas.

Observe, vamos pensar de uma maneira prática. Quando a foto de um homem nu, famoso e bem sucedido “vaza” na internet, o que acontece? As pessoas compartilham, riem, brincam, mas não existe um peso moral nisso.

Em 2020, quando o ator Chris Evans, intérprete do Capitão América, postou, sem querer, um nude nos stories do seu perfil do Instagram, se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter.

Chris evan nude vazada
O ator Chris Evans teve uma nude vazada

Apesar de não ter sido a sua intenção e de ter dito em entrevista que a publicação foi vergonhosa e constrangedora, profissionalmente falando o erro teve um impacto mínimo em sua carreira e reputação.

O comparativo nem sempre é algo bacana de se fazer, porque existem sim diferentes realidades e perspectivas, mas sabemos que seria diferente se fosse uma mulher no lugar do Chris.

Palavrões não iriam faltar, insinuações, desrespeito, acusações, chantagens e constrangimentos. Afinal, que tipo de mulher fica compartilhando fotos nuas na internet? Cadê a moral e honra dessas mulheres? Sim, é essa ladainha que ainda temos que escutar.

Cabe a lógica machista essa linha de pensamento: As mulheres são propriedades e pertencem ao homem, devem ser resguardadas e utilizadas unicamente para o prazer masculino. Uma mulher de respeito não tira foto nua e envia pra ninguém.

Parece grotesco e antiquado falar assim? Parece. Uma vibe “a autora desse texto não sabe do que está falando, era assim há muito anos atrás, atualmente as coisas mudaram”? Talvez.

As coisas mudaram e eu sei disso, porém, certas construções ainda permeiam o imaginário das pessoas, inclusive de muitas mulheres que também permeiam e apoiam comportamentos machistas .

Slut shaming: esse é o termo

A violência de gênero é um problema real, extremamente notável em comentários, atitudes e comportamentos. Começamos lá embaixo, quantas vezes você já escutou que a culpa de uma mulher ter sido estuprada foi dela mesma em razão da roupa curta ou vulgar que estava usando?

Esse tipo de comentário incentiva uma corrente de várias outras coisas. Atrás de “simples” frases ou expressões há realmente a crença de que se uma mulher foi estuprada é por que ela pediu através de suas roupas ou pela forma como se porta.

Sempre estão tentando nos desvalidar ou silenciar, nossas emoções, sentimentos e até as nossas denúncias.

O slut shaming consiste na divulgação de materiais de conteúdo íntimo de uma mulher, como vídeos, fotos, conversas, trechos de material escrito ou relatos acerca da vida íntima desta mulher, com o intuito de humilhá-la publicamente.

A expressão inglesa não tem tradução para o português, mas o significado se aproxima de “envergonhar uma vadia”. Mais uma violência psicológica e moral cometida contra mulheres.

Recentemente a prática machista foi amplamente discutida depois da atriz Luana Piovani compartilhar em suas redes sociais um longo desabafo onde revelou que seu ex-marido, Pedro Scooby, abriu um processo contra ela com a intenção de envergonhá-la e, por consequência, a calar.

Luana Piovani em desabafo no Instagram

Na ação movida por Pedro foram anexados nudes e imagens sensuais de Luana, em uma tentativa de descredibilizá-la a partir de sua conduta sexual.

É evidente que o fato de ser julgada socialmente pode criar problemas profissionais e também emocionais. Diante de situações assim, basicamente há dois caminhos: seguir em frente com as suas preferências ou escondê-las.

O que a polêmica com Pamela Anderson tem a nos dizer

Se o nude de Chris Evans não interferiu em sua carreira ou em seu status profissional, o mesmo não podemos falar da atriz Pamela Anderson. No recente documentário "Pamela: A Love Story" (Pamela: Uma História de Amor)", original da Netflix, com direção de Ryan White, podemos conferir pela primeira vez a versão da artista sobre as mais diversas situações de sua carreira.

Trailer do documentário de Pamela Anderson

A circulação de uma fita de sexo em que Pamela aparece transando com o ex-marido, o músico Tommy Lee, foi assunto constante na mídia durante os anos 1990. A trajetória profissional da atriz ficou marcada pela repercussão da sex tape.

A carreira de Pamela foi mais impactada do que a de Tommy, ela inclusive teve dificuldade em ser vista com seriedade pela indústria cinematográfica, sendo constantemente ridicularizada.

O vídeo íntimo foi gravado durante a lua de mel do casal. Alguns anos depois, o registro vazou e circulou pelo mundo inteiro, mesmo antes da popularização da internet.

A fita, que estava guardada em um cofre, foi roubada pelo membro de uma equipe que trabalhava na reforma da casa da atriz e do músico. E, ao tentar denunciar formalmente o roubo, Pamela afirmou ser desmoralizada durante as audiências nos EUA.

No documentário, ela contou que promotores fizeram perguntas íntimas, ignorando a investigação. Mais um caso de slut-shaming (como vocês podem ver, há inúmeros!).

Caso Carolina Dieckmann

Em 2011, a atriz Carolina Dieckmann teve sua intimidade violada após um grupo de hackers invadir seu computador pessoal e divulgar sem autorização 36 imagens íntimas pelas redes sociais.

Além das fotos roubadas, a atriz chegou a receber ameaças e extorsões para evitar a exposição.

Em menos de um ano após o caso, considerado o primeiro escândalo do gênero no país, a lei Nº 12.737/2012, apelidada de Lei Carolina Dieckmann, foi sancionada no dia 30 de novembro de 2012.

A criação da lei se deu em virtude do caso da atriz que, na época do crime, não recebeu amparo de uma legislação específica para a devida penalização dos criminosos.

carolina dieckmann e nudes
Carolina Dieckmann chegando à delegacia para prestar depoimentos sobre o roubo de nudes

A lei acrescenta ao Código Penal o art. 154-A, que determinam como crime invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

A pena estabelecida é de três meses a um ano de detenção e multa, incorrendo na mesma pena quem produz, distribui, vende, oferece ou difunde dispositivo 124 ou programa de computador com o objetivo de permitir a prática do crime, com aumento de pena de um sexto a um terço caso dela resulte prejuízo econômico.

Se a invasão resultar em obtenção de conteúdo de comunicações privadas, a pena estabelecida é de seis meses a dois anos, caso não constitua crime mais grave.

Um marco para a legislação brasileira.

Aspas para a autora

Eu cresci no interior do Ceará e ainda na adolescência vi muitas meninas precisarem mudar de cidade em razão de terem tido vídeos ou fotos íntimas divulgadas sem consentimento.

Essas meninas ficavam “mal-faladas”, no linguajar popular, automaticamente davam adeus a sua reputação e quaisquer chances de crescimento pessoal ou profissional.

Os julgamentos e pressões psicológicas eram tantas que a mudança para outra cidade era quase que inevitável. Por anos observei esse tipo de situação e os efeitos na vida de mulheres tão jovens.

Experimentar faz parte da jornada de autoconhecimento, a adolescência é um momento de descobertas. Gostos, novos prazeres, se construídos com conversa e responsabilidade podem ser usufruídos da melhor forma. Não deveria ser assim para todos?

Não é possível aceitar a ridicularização de alguém por causa de suas escolhas ou manifestações sexuais. Chega de fomentar preconceitos e injustiças.

“Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas…”
Audre Lorde

Denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 180 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — a Central de Atendimento à Mulher, que funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita.

O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

A denúncia também pode ser feita pelo Disque 100, que apura violações aos direitos humanos. Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e a página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses. Caso esteja se sentindo em risco, a vítima pode solicitar uma medida protetiva de urgência.


Referências

  1. Revista Istoé
  2. Portal Mundo Psicólogos
  3. Repositório UFPB
  4. Revista Glamour Brasil
  5. Portal da UOL
  6. Revista L'Officiel
  7. Revista Rolling Stone
  8. Conjur
  9. Revista Monet
  10. Portal do G1