Texto por Laura Beatriz, jornalista.

A conquista do voto foi importante mas não suficiente. Trouxemos fatos históricos e análises para explicar a desigualdade existente entre mulheres e homens na política.

É claro e evidente que se hoje nós mulheres possuímos alguma voz, é porque em um passado não tão distante alguém lutou por nós. Em um ano de eleições devemos sempre reiterar e debater os espaços ocupados por mulheres na política, ou a falta desses espaços. Para isso, é necessário compreender o impacto de ações decisivas lá atrás para o que hoje usufruímos.

O movimento sufragista e a sua importância na conquista do voto feminino

Vamos galera, mulheres, entender todo esse rolê que foi o movimento sufragista. Campanha feita por mulheres reivindicando o direito ao voto, em diversos países, entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX.

mulheres na política movimento sufragista
Mulheres na política: movimento sufragista no Reino Unido

O movimento teve início na Inglaterra, em uma Europa marcada por profundas mudanças políticas, culturais e sociais. Desenvolveu-se no contexto da chamada primeira onda do feminismo, junto a outras reivindicações por direitos políticos, sociais e jurídicos, na segunda metade do século XIX.

Sendo sua principal reivindicação a garantia às mulheres ao direito de votar e serem votadas.

Um determinado grupo de ativistas feministas buscavam por igualdade jurídica entre mulheres e homens no campo da educação e das posses, o direito ao divórcio e o direito ao voto. O movimento sufragista uniu diferentes grupos de mulheres, de diferentes classes sociais, diferentes graus de instrução e com diferentes pautas.

  • O primeiro país a garantir o direito ao voto para as mulheres foi a Nova Zelândia, em 1893;
  • O segundo país foi a Finlândia, em 1906, que teve as primeiras parlamentares eleitas no pleito seguinte;
  • A Inglaterra, grande protagonista do movimento sufragista, teve o direito ao voto feminino alcançado em 1918, após a Primeira Guerra Mundial, e apenas por mulheres donas de propriedade;
  • O sufrágio universal na Inglaterra só se concretizou em 1928;
  • O último país a garantir o direito ao voto feminino foi a Arábia Saudita, em 2015. (SIM, 2015!)
primeira votação feminina
Primeira votação na Nova Zelândia, em 1893 

O voto feminino no Brasil  

O voto feminino foi uma grande e importante conquista no Brasil. Ele foi possível através da instauração de um novo Código Eleitoral, decretado durante o governo de Getúlio Vargas, em 1932. Estabeleceu normas para a padronização das eleições que seriam realizadas, tornando o voto obrigatório e secreto, além de serem abolidas as restrições de gênero ao voto.

Mulheres na política: célia guimarães viana, primeira mulher a votar no Brasil
Célia Guimarães Viana, primeira mulher a votar no Brasil

Com a promulgação da Lei Saraiva em 1880, permitindo que todo brasileiro com título científico pudesse votar, a cientista Isabel de Souza Mattos aproveitou-se disso e exigiu na Justiça o direito ao voto.

O crescimento da causa do voto feminino resultou no surgimento de associações, instituições e até partidos em defesa dessa pauta.

No dia 24 de fevereiro deste ano foram celebrados os 90 anos da conquista do voto feminino no Brasil. Esse direito foi impulsionado por várias pioneiras, a exemplo:

  • Professora Celina Guimarães Viana, que pôde, por meio de um requerimento, votar em 1927 e se tornou a primeira eleitora do país.
  • Leolinda de Figueiredo Daltro, uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino, criado em 1910.
  • A zoóloga paulista Bertha Lutz, uma das criadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, apontada como uma das maiores líderes na luta pelos direitos políticos das mulheres.

Apesar das conquistas, a luta não para

De acordo com o IBGE, mais da metade da população brasileira (51,13%) é feminina, e elas representam, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 53% do eleitorado. No entanto, ocupam hoje menos de 15% dos cargos eletivos.

Talvez você não lembre deste fato, mas desde o início da República, em 1889, o país teve apenas uma única presidente, Dilma Rousseff, e apenas 16 governadoras mulheres. Dessas, só oito foram eleitas para o cargo, as demais eram vice-governadoras que ocuparam o posto com a saída do titular.

Segundo a representação política feminina nos países do projeto “Towards Equality”, o Brasil (que está na 142ª posição entre 193 países analisados pela ONU sobre paridade de gêneros no Parlamento) as mulheres ocupam 15,2% da Câmara Baixa e 12,4% do Senado e detém 10,5% dos cargos ministeriais do país (2 em 19).

A Emenda Constitucional 111, promulgada em setembro de 2021, determinou a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e pessoas negras no cálculo da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral nas eleições. A medida já está valendo e vai até 2030.

mulheres na política no Brasil
Mulheres ocupam menos de 15% dos cargos eletivos no Brasil

Em abril de 2022, outra emenda constitucional foi promulgada pelo Congresso, a EC 117, que incluiu na Constituição a aplicação de percentuais mínimos de recursos do fundo partidário nas campanhas de mulheres e em programas voltados à participação delas na política.

Na prática, passa a ser regra constitucional a destinação de 30% dos recursos de campanha dos partidos para candidaturas femininas. E se o partido lançar mais de 30% de candidaturas femininas, o tempo de rádio e TV e os recursos devem aumentar na mesma proporção.

Não foi isso que eu pedi

Se forem eleitas, dispor de boa parte do fundo eleitoral não garantirá o protagonismo às mulheres. As mulheres que querem se candidatar a um cargo público no Executivo ou Legislativo contam com uma reserva de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, que os partidos devem destinar obrigatoriamente, no período eleitoral, para financiar as campanhas das candidatas.  

Ao distribuir os recursos da cota, os partidos podem destinar as verbas do fundo, que este ano totalizará R$4,9 bilhões, para chapas majoritárias que tenham mulheres como vice.

As chapas para governo de estado, a grande maioria dos nomes femininos indicados estão na posição de vice. Ao menos 217 chapas completas para a disputa dos governos dos 26 estados e do Distrito Federal foram lançadas até o dia 15 de agosto de 2022.

Dessas, apenas 37 são encabeçadas por mulheres, 17% do total de candidatos ao cargo. Já o número de candidatas a vice chega a 85, o equivalente a 39% do total. Os homens, portanto, ainda são 8 entre 10 cabeças de chapa na disputa pelos governos estaduais.

O que queremos é o óbvio, necessário e simples, avançar com o propósito de uma sociedade mais justa, em que as mulheres possam realmente ter uma presença ativa, onde sua voz e seus espaços sejam respeitados, além de suas decisões e objetivos.

Na existência ou na ausência de uma porcentagem do fundo eleitoral destinada às mulheres, precisamos entender que temos o direito de exercer com plenitude à cidadania, principalmente em um Congresso Nacional majoritariamente ocupado por homens (em sua maioria de meia-idade, heterossexuais e brancos).

Eleições 2022

Com 9.415 pedidos de registro de candidaturas, o que representa 33% dos concorrentes a uma vaga nas eleições de 2022, as mulheres terão participação recorde nas urnas neste ano. O crescimento feminino na política, porém, vem desacelerando no país.

mulheres na política: eleições de 2022
Mulheres na política: Soraya Thronicke, Simone Tebet, Sofia Manzano e Vera Lúcia nas eleições de 2022

Em 2022, foram quatro candidatas à Presidência e sete candidatas à vice-presidência. No Executivo estadual, a diferença fica nítida. São 38 mulheres concorrendo ao cargo de governadora e 89 ao cargo de vice-governadora, na frente de 185 homens candidatos a governador, um número que só demonstra a disparidade de gênero existente.

Para o Senado, 53 mulheres e 179 homens. Já para deputado federal, 3.543 mulheres dividem espaço com 6.729 homens. Por fim, para deputado estadual, são 5.330 mulheres e 10.906 homens.

As mulheres são maioria no país. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados em julho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 51,1% da população brasileira em 2021 era do sexo feminino. O dado representa 4,8 milhões de mulheres a mais que homens no Brasil.

Esse é um indício mais do que claro de que apesar das mudanças e transformações pelas quais lutamos ainda precisamos nos fortalecer e “brigar” por nossos espaços.

Internacionalmente falando

Metade da população mundial é formada por mulheres, mas elas ainda contam com pouca representatividade nas cadeiras dos parlamentos e senados em todo o mundo.

Sign at Women's March 2019, Kuala Lumpur.
Foto por Michelle Ding / Unsplash

Mesmo com a Declaração e Plataforma para Ação de Pequim, que estabeleceu a meta internacional para alcançar o equilíbrio de gêneros na tomada de decisões políticas, as mulheres continuam sendo sub-representadas em todos os níveis de poder.

Participação política das mulheres em diferentes países pelo mundo:

  • Em média, globalmente, as mulheres detém 25,5% das duas Casas somadas. A diferença é maior na região do Pacífico (20,9%), no Oriente Médio e no Norte da África (17,8%) e na Ásia (20,4%) e menor nas Américas (32,4%) e na Europa (30,4%). Na África Subsaariana, a média é quase igual à média global (25%);
  • Apenas dois países no mundo tinham mais parlamentares mulheres na Câmara Baixa do que homens (Ruanda e Cuba) e um tinha paridade 50/50 no Parlamento (Emirados Árabes Unidos) em 1º de janeiro de 2021;
  • Os únicos três países com mais mulheres do que homens no Senado são Austrália (51,3%), Antígua e Barbuda (52,9%) e Bolívia (55,6%), seguidos de perto México (49,2%);
  • Apenas 22 de 193 países tem uma mulher como chefe de governo;
  • Segundo a ONU, 119 países nunca tiveram uma mulher líder, o que salienta que, no ritmo atual, a igualdade de gêneros nos principais cargos de poder não será alcançada por mais 130 anos;
  • Em 2021, apenas 13 países tinham 50% ou mais de mulheres em cargos ministeriais;
  • 82% das mulheres parlamentares que participaram de um estudo realizado pela União Interparlamentar em 39 países de cinco regiões em 2016 relataram ter experimentado alguma forma de violência psicológica;
  • Segundo pesquisa da Universidade de Cambridge, as legisladoras mulheres são mais propensas a defender políticas que apoiam a educação e a saúde;
  • De acordo com o Conselho de Relações Exteriores, quando a representação parlamentar das mulheres aumenta 5% um país tem quase cinco vezes menos probabilidade de reagir a uma crise internacional com violência.

Um estudo publicado no "Journal of Economic Behavior & Organization" pelos pesquisadores Chandan Cuma Jha e Sudipta Sarangi, do departamento de Economia da Universidade Virginia Tech Universidade nos Estados Unidos, apontou que a corrupção é menor onde mulheres participam em maior número no governo. A análise foi feita em mais de 150 países, entre eles o Brasil.

O artigo refuta ainda a hipótese de que as diferenças de gênero observadas na atitude em relação à corrupção são inteiramente devidas a diferenças de gênero no status social, e desaparecerão com o tempo quando as mulheres adquirirem status socioeconômico mais igualitário.

“Quando uma mulher entra na política, muda a mulher; quando muitas mulheres entram na política, muda a política”, ex-Presidente do Chile, Michelle Bachelet.


Referências

  1. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/movimento-sufragista.htm#Quais+as+reivindica%C3%A7%C3%B5es+das+sufragistas%3F

2. https://brasilescola.uol.com.br/historiab/voto-feminino-no-brasil.htm

3. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-02/hoje-e-dia-destaca-os-90-anos-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil

4. https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/05/aliados-na-luta-por-mais-mulheres-na-politica

5. https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/colunistas/mulheres-na-politica-nao-basta-ser-vice/

6. https://br.boell.org/pt-br/mulheres-na-politica

7. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/06/saiba-a-proporcao-da-participacao-feminina-na-politica-em-diferentes-paises-pelo-mundo.shtml https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/07/09/interna_politica,693921/paises-com-mais-mulheres-no-governo-tem-menos-corrupcao.shtml

8. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/numero-de-mulheres-candidatas-nas-eleicoes-e-recorde-mas-crescimento-desacelera/