Nós começamos a página Lábios Livres no Instagram em novembro de 2020 (sim, pandemia), e de lá pra cá, nossa comunidade cresceu mais do que esperávamos: 10 mil mulheres em quatro meses. Agora estamos conectados com outras 10 mil mulheres que, assim como nós, apoiam o empoderamento sexual como ferramenta crucial para a liberdade e independência individual.
O contato com a nossa comunidade e os dados da nossa página nos proporcionaram uma visão mais detalhada sobre como as mulheres vêem o assunto "sexualidade feminina" no Brasil. Hoje, nós compartilhamos com vocês alguns desses dados e o que nós aprendemos com vocês até agora.
Como começamos
A criação do projeto Lábios Livres é fruto de uma ideia que nos empolgou desde o primeiro momento - uma página sobre sexualidade feminina, com conteúdo produzido por mulheres, feito especialmente para mulheres. O Luca, meu amigo e parceiro nesse projeto, já tinha toda uma estrutura em mente, tinha pesquisado outras páginas e já estava até em contato com escritoras e ilustradoras brasileiras.
O meu envolvimento e interesse foi natural, e em um intervalo de um mês encontrando com o Luca e analisando conteúdo educativo sobre sexualidade e também conteúdo erótico, o projeto foi ganhando vida e começamos a página.
A princípio, a página fazia todo o sentido: sabíamos, pelas estatísticas, que havia demanda para esse tipo de conteúdo. Inclusive não só o educativo, mas também o de entretenimento - o gênero de literatura mais lucrativo mundialmente em 2020 foi romance/erótica, segundo relatórios da Amazon. Sabíamos também que o Brasil vive uma onda de feminismo e luta à favor da emancipação da mulher, com tantas personalidades utilizando suas plataformas para trazer essas discussões - Anitta, Camila Coutinho, Marcela McGowan, para citar algumas. Não tínhamos dúvidas que esse era o momento ideal para começar o projeto.
O desafio: comunicar sexualidade e quebrar tabus
Quando passamos para a fase de criação de conteúdo, nós nos deparamos com o nosso primeiro (e grande) desafio: como comunicar sexualidade feminina para um público em um país onde falar sobre sexualidade feminina ainda é um tabu? Como atrair mulheres acostumadas a serem julgadas por seus desejos? Como convencer outras mulheres a entrar na jornada de autodescobrimento?
A solução? Design original, muitas cores, linguagem simples e uma mistura de conteúdo divertido com educativo. Se você segue a nossa página, já deve ter notado que investimos bastante em todos esses pontos, que acabaram construindo nossa identidade visual e marca.
Nós estamos constantemente atualizando a linguagem que usamos (tanto a semântica quanto a gráfica) para conseguir comunicar com mulheres efetivamente sobre sexualidade e erotismo. Nós nos esforçamos ao máximo para escutar a nossa audiência e entender que tipos de conteúdo elas querem ver e discutir mais profundamente. Nós temos aprendido muito e estamos super empolgados com o que vem por aí. Mas, antes disso, nós queremos compartilhar com vocês algumas das lições mais valiosas que recebemos de vocês até agora.
4 coisas que aprendemos em 4 meses de Lábios Livres
Nesses últimos 4 meses de criação de conteúdo, ativa presença online e interações com mulheres do Brasil inteiro, nós alcançamos 458 mil pessoas, tivemos 501 mil impressões e temos um engajamento médio de 5,2% por post.
Todas essas métricas e dados nos proporcionam aprender diversas coisas com e sobre a nossa audiência feminina. Hoje, compartilhamos com vocês alguns dos nossos principais aprendizados com o nosso projeto Lábios Livres.
1. Existe muito interesse em falar sobre sexualidade feminina
Como eu mencionei antes, nós tínhamos feito nosso dever de casa e esperávamos haver interesse nesse tipo de conteúdo. O que nós não nos damos conta é que seria TANTO!
O nosso post mais bem sucedido da nossa pouca vida online até agora é um compilado de indicações de páginas criadoras de conteúdo erótico. Nós selecionamos as nossas páginas preferidas desse gênero e compartilhamos com a nossa comunidade. Esse post teve, organicamente, 1.467 curtidas até agora.
Além disso, esse post teve 1.819 salvamentos, um alcance de 15.874 e mais de mil visitas ao perfil vindas dele. Esses números são muito significativos para nós, que ainda estamos crescendo, mas também por si só - esse post teve incríveis 36% de taxa de engajamento.
Mas o que esse post significa além de boas métricas? Esses números nos provam o que antes nos suspeitávamos, mas não tínhamos noção do real tamanho: existe um interesse imenso por conteúdo erótico para mulheres, do tipo que é produzido especialmente para a experiência sexual feminina.
Aqui no nosso blog, a matéria completa relacionada a esse post também é a mais lida até agora. Então, sim: mulheres não só fazem, pensam e falam sobre sexo. Mulheres querem conteúdo do gênero feito sob medida para elas. Se você ainda tem alguma dúvida sobre isso, olhe de novo os dados desse post.
2. Porém, ele é majoritariamente secreto
E aqui vai outro aprendizado que nossa experiência pessoal já apontava e nós suspeitávamos: apesar do interesse ser gigante, ele ainda é principalmente secreto.
Ainda levando o post anterior como exemplo, nós observamos que o número de salvamentos é maior que o número de curtidas (!) e que, apesar de mais de mil pessoas terem gostado do post, tivemos apenas 39 comentários - entre eles, 1 de hashtags que usamos, 4 das páginas que divulgamos e 8 de pessoas que marcaram outras pessoas - no mais, o resto são respostas das pessoas marcadas.
E isso é um padrão que se repete na nossa página no geral - nós sempre temos mais salvamentos do que comentários. Às vezes, vários salvamentos, mas nenhum comentário. Por exemplo, o nosso post "Dicas para gozar" teve 379 curtidas, 37 salvamentos e nenhum comentário.
Esse engajamento "secreto" não é por acaso: nós mulheres somos frequentemente julgadas por tudo o que fazemos, especialmente quando se trata de sexualidade feminina. E isso se reflete no nosso comportamento online.
Isso mostra o quanto esse assunto ainda é um tabu para as mulheres. A pesquisadora, ativista e escritora Shere Hite, nos anos 70, conduziu uma pesquisa com mulheres sobre como elas chegavam ao orgasmo. Para a pesquisa, ela preparou um questionário e recebeu as respostas pelo correio, anonimamente.
Em 2021, posts sobre sexualidade feminina ainda são aproveitados de maneira prioritariamente anônima. Apesar do interesse ser grande, ele ainda é secreto.
Quase 50 anos depois da pesquisa da Shere Hite, mulheres ainda têm vergonha de falarem publicamente sobre sexualidade.
3. Ainda existem dúvidas que deveriam ser básicas, mas não são
Essa aqui também não deve ser surpresa para nenhuma de vocês: ainda existem dúvidas básicas acerca da sexualidade feminina. Ou melhor: dúvidas que deveriam ser básicas, mas que na verdade não são, já que não somos educadas sobre a nossa própria sexualidade ao longo da vida. A gente meio que aprende sozinha, com as amigas, com os relacionamentos, né? Agora com a internet, a gente usa o Google como um grande aliado para aprender um pouquinho mais.
Quem aqui já se perguntou se gozou? Quem aqui já teve dúvida do que é um orgasmo? E quem aqui conhece alguém do sexo masculino que teve dúvidas se gozou ou não? Pois bem, isso que deveria ser óbvio para o ser humano, acaba não sendo quando se trata de mulheres.
Fizemos um post sobre isso - o nosso "Como saber se eu gozei" teve 659 curtidas, 220 salvamentos, 5 comentários e algumas mensagens diretas. É também a matéria mais lida do blog nesse mês de março, e a terceira mais linda no total - atrás de melhores fontes de conteúdo erótico e tipos de orgasmo feminino.
4. Mulheres querem ser educadas, mas também querem ser entretidas
Provavelmente uma das coisas mais legais que a gente pôde constatar é que: existe interesse em entretenimento erótico entre mulheres, sim! Claro que o interesse por mais informação sobre o corpo feminino é grande, mas por entretenimento também.
Parte do conteúdo que compartilhamos é de microcontos ou partes de contos eróticos - feitos por nós ou por outras autoras - e, apesar desse ser o nosso tipo de conteúdo mais "ousado" ou "explícito" (o que sabemos que gera uma certa "vergonha" por parte de muitas mulheres), também gera muitas curtidas e salvamentos. É o caso de quando publicamos um trecho de "Pequenos Pássaros", da autora francesa Anais Nin - 314 curtidas e 48 salvamentos.
Nós também gostamos de fazer conteúdo relacionando arte, mídia e sexualidade, mostrando como o gênero pode ser tratado como conhecimento. Por exemplo: fizemos um post falando sobre as lições sobre sexualidade aprendidas em Bridgerton, série da Netflix que ficou bastante popular. Mais uma vez, a performance é ótima: 592 curtidas, alcance de 9.500 e 66 salvamentos.
No nosso top 10 de postagens mais curtidas e engajadas, 4 são de entretenimento erótico. Sabemos também que 39% da audiência brasileira no PornHub é formada por mulheres.
Isso reflete uma demanda que ainda não está sendo propriamente suprida: mulheres também querem ser entretidas sexualmente. O público feminino quer ser estimulado, tocado e, mais importante, quer gozar. E nós queremos tudo isso em um formato que seja real e pensado para nossa própria jornada sexual.
Sexo e erotismo como instrumentos de libertação
Nós sabemos que numa sociedade que reprime e julga mulheres por falarem sobre seu próprio corpo ou desejo, a autonomia sexual completa não acontece de uma hora para outra. Mas ela acontece aos poucos assim: quando conseguimos conversar abertamente num grupo de amigas, quando nossa família não repreende os nossos questionamentos, quando médicos naturalizam uma vida sexual ativa e educam em vez de julgarem, quando a grande mídia dá voz à mulheres acerca do assunto, quando conteúdo especializado é criado para suprir essa demanda.
Com o projeto Lábios Livres, nós queremos criar uma grande comunidade de mulheres livres para dialogar sobre sexo abertamente e, de quebra, sentirem-se à vontade não só para sentirem tesão, mas para se divertirem.
Nós começamos esse projeto com a missão de ajudar as pessoas a descobrirem sua sexualidade e serem mais felizes - além de mais sexys e empoderadas. Nós vemos sexo e erotismo não como motivos para vergonha ou tabu, mas como instrumentos de libertação. Com o que aprendemos com vocês nos últimos 4 meses, nós sabemos que isso não só é possível, como também estamos na direção certa.
À todas vocês que estão com a gente nessa missão: muitíssimo obrigada. E vamos continuar quebrando tabus - afinal, nossos lábios são livres.