A bissexualidade é muitas vezes incompreendida, mas isso não significa que é complicada. Te contamos tudo o que você precisa entender sobre ela e como a bifobia afeta a vida de pessoas desta comunidade.

Nesse texto você entende:

  • O que é ser bissexual
  • Por dentro do gênero e da sexualidade
  • Bissexualidade e a sua origem
  • Bissexualidade x Pansexualidade
  • O que é a Pansexualidade
  • Relato
  • O autodescobrimento
  • Moral da história

Falar sobre a bissexualidade pode (ou não) se tornar um tópico bastante delicado. Isso porque pessoas bi, mesmo dentro da comunidade LGBTQIA+, são constantemente julgadas e mal compreendidas.

Mas, na verdade, entender a bissexualidade não é nada complexo - as pessoas que complicam. Para provar, preparamos essa matéria completinha com tudo que você precisa saber. Vem com a gente.  

Afinal, o que é ser bissexual?

A bissexualidade pode ser definida como a atração por mais de um gênero. É isso. Viu? Nem foi tão complicado assim. Começamos bem, não é mesmo?

Sei que nesse momento alguns de vocês estão se perguntando "tá, mas isso aí não é ser pansexual?". A resposta pode variar. Você irá entender melhor ao longo do texto.

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Por dentro do gênero e da sexualidade

Para entender o texto por completo, é necessário fazer a distinção de identidade de gênero e sexualidade.

Você com certeza já ouviu por aí o termo “gênero” ser utilizado apenas para definir o sexo biológico. Mas, ao contrário do que dizem, a palavra não faz referência apenas a isso. É necessário olhar por uma perspectiva social e entender que tudo pode fazer parte de uma construção, e não apenas de características fisiológicas.

De uma forma resumida, o gênero pode ser explicado como construções sociais baseadas nos sexos biológicos.

Já a sexualidade se refere à orientação sexual de uma pessoa. Isso inclui os gêneros que essa pessoa sente interesse (seja sexual ou romântico). Quando falamos de sexualidade, precisamos entender que ela vai além da questão de reprodução e não se reduz apenas às atividades que dependem unicamente do aparelho genital.

Entender a distinção entre um e outro é o primeiro passo para compreender melhor o que iremos falar mais adiante.

Bissexualidade e a sua origem

A palavra “bissexual” já foi utilizada de diversas maneiras. Do século XVII ao início do século XX, o termo era utilizado por médicos e teólogos para definir indivíduos que nasciam com dois órgãos genitais (também conhecidos como hermafroditas ou intersexuais).

No final do século XIX e no início do século XX, a palavra passou a ser utilizada, também, por psicanalistas que passaram a observar o lado psicológico da expressão. O "hermafroditismo psicosexual", visão sugerida pelo psiquiatra e sexólogo Richard von Krafft-Ebingusando, identificava o bissexualismo como uma combinação de masculinidade e feminilidade psicológica. Ou seja, se tratavam de pessoas que tinham sentimentos masculinos e femininos (se é que isso existe).

Somente após os anos 70 a palavra passou a ser utilizada para indicar um desejo sexual que une a heterossexualidade e a homossexualidade.

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Bissexualidade x Pansexualidade

Conversamos com a psicóloga afirmativa LGBTQIA+, mestre em Gênero e Diversidade Sexual e criadora de conteúdo no @psi.les.bi, Cássia Andrade, para entender melhor sobre a diferença entre a bissexualidade e a panssexualidade.

A Teoria da Bissexualidade parte das discussões de Freud e Fliess, que compuseram a ideia de uma predisposição bissexual universal. De acordo com esta teoria, não existe uma distinção clara entre bissexual e pansexual. O que divide ambos os grupos são questões históricas.

Durante a revolta de Stonewall, no final dos anos 60, os civis passaram a realizar movimentos em prol dos direitos “gays”. E se engana quem pensa que o movimento “gay” se tratava apenas de homens homossexuais. O movimento abraçava pessoas com todo tipo de identidade de gênero ou orientação sexual, mas as diferentes nomenclaturas que temos nos dias de hoje ainda não eram difundidas na época.

Nos anos de 1990, então, a bissexualidade surge como uma orientação sexual legítima e é aceita na comunidade LGBTQIA+. Até então, não existiam discussões sobre identidade de gênero e não binariedade. Logo, os bissexuais eram entendidos como pessoas que se interessavam por homens e mulheres, ponto. No entanto, após os anos 2000, quando a Teoria Queer abre espaço para uma discussão mais profunda sobre essas questões, a pansexualidade surge como mais uma nomenclatura.

Tá, mas o que é a pansexualidade?

A pansexualidade é uma orientação sexual na qual o indivíduo se sente romanticamente ou afetivamente atraído por pessoas, independente do gênero. É muito comum ouvir que pessoas pansexuais “gostam de pessoas, independentemente de serem transsexuais, não binárias” etc.

Para Cássia, a diferença entre a pansexualidade e a bissexualidade é apenas o contexto histórico. Quando a bissexualidade surgiu, ainda não existia uma distinção clara sobre identidade de gênero, logo, só existia a opção de “homem” e “mulher”.

Há quem faça a distinção entre estes dois grupos da seguinte forma: enquanto pessoas bissexuais não se atraem por todos os gêneros que existem, os pansexuais negam a influência do gênero no relacionamento.

Bissexualidade: mitos e estigmas

É comum que os julgamentos direcionados a bissexuais serem algo do tipo: “heterossexual que está confuso e/ou indeciso”. Há ainda quem afirme que se tratam de pessoas lésbicas/gays/hétero com exceções.

A bissexualidade não é indecisão.
A bissexualidade não se divide em “50% atração por mulheres” e “50% atração por homens”.
Bissexualidade não é a “não aceitação” da homossexualidade.
Ser bissexual não trai o ativismo da comunidade LGBTQIA+.

Estes tipos de afirmações são formas de deslegitimar a bissexualidade e expressam uma clara bifobia.

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Autodescobrimento

Segundo uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisa Bisexual Resource Center, de Boston, pessoas bissexuais, quando comparadas a heterossexuais, lésbicas e gays, têm maiores taxas de ansiedade, depressão e outros distúrbios de comportamento, assim como uma maior incidência no uso de tabaco.

É importante que, caso você esteja passando por um processo de autodescobrimento, procure ajuda profissional. Você não está sozinha! Faz parte do processo se questionar e analisar os seus sentimentos, mas lembre-se de sempre fazer isso com muito carinho e respeito a si mesma. Sem julgamentos.

O terapeuta é um profissional capaz de compreender as suas questões em relação a diferentes áreas da sua vida, inclusive em relação à sua sexualidade e identidade de gênero. Faz parte da jornada da terapia o estímulo à reflexão e conversa sobre o tema. Quanto mais falamos sobre experiências, vivências e desejos, melhor será o caminho rumo à desconstrução.


Relato de Davi Holanda: estudante de jornalismo, bissexual e em um relacionamento estável

Muitos bissexuais relatam o quão difícil é expressar a bissexualidade enquanto uma orientação sexual única. Conversamos com Davi Holanda, estudante de jornalismo, para falar um pouco sobre as suas vivências enquanto entendido como bissexual.

Quando se deparou com o termo “bissexualidade” e quando se entendeu como bissexual?

"Essa questão da sexualidade sempre foi um ponto muito sensível pra mim, porque desde criança eu já sabia que eu era diferente. Sabia que eu também me atraía por meninos. Na verdade, eu entendi que eu me atraía por meninos antes de entender que eu me atraía por meninas, pra você ter noção. Só que era uma coisa que eu não aceitava, né? Porque a gente cresceu numa sociedade extremamente homofóbica e aprendemos desde a infância que você se atrair por uma pessoa do mesmo sexo é uma coisa totalmente errada.

Então desde criança eu já sabia que me atraía por meninos, mas eu sempre ficava com aquele receio. Eu não me aceitava. Até que na pré adolescência eu tive minha primeira experiência com meninas e aí começou uma crise de identidade. Hoje em dia eu entendo que eu tive uma síndrome do pânico por causa disso, porque eu realmente não sabia o que eu era nessa época e ainda não era tão falado sobre essa questão das da siglas, do que era bissexualidade. Não era discutido isso.

A gente vivia num mundo hétero normativo muito preconceituoso e extremamente homofóbico, então qualquer coisa que se desvirtuava disso era rejeitado. Você era muito rejeitado, né? E eu, enquanto criança, sempre tive trejeitos muito femininos, então eu sofri muita homofobia na minha vida. Na época da escola, da adolescência, desde sempre. E aí como não era discutido sobre essa questão das siglas, eu não sabia o que eu era. Eu ficava na minha cabeça “poxa, eu gosto de homens mas ao mesmo tempo eu também gosto de meninas”.

Até que depois de um tempo, lá pros meus dezesseis anos, eu fui começando a aprender. Então acredito que foi nessa fase aí dos meus dezesseis, dezessete anos que eu fui aprender o conceito de bissexualidade e eu lembro que quando eu descobri isso, pesquisando na internet tal, em conversa com amigos, eu tive um alívio muito grande. Foi bem nessa época que eu me descobri bisexual, que o que eu tinha não era uma anormalidade. O fato de gostar de ambos, de me atrair sexualmente por ambos os sexos, era uma coisa que era normal.  

E a partir do momento que eu descobri eu fui realmente respirando aliviado, sabe?  É a orientação sexual que eu sigo até hoje e é a que me define. Eu me atraio por homem cis e mulher cis. Já não entra tanto no âmbito da pansexualidade porque eu acho que a pansexualidade marca outros tipos deidentidade de gênero, né? E até agora não aconteceu."

Como lida (ou não lida) com a bifobia?

"Eu sou um homem bissexual que me relaciono com uma mulher há mais de sete anos. Então daí, você tira. Eu sofro muita bifobia. Muita bifobia e de pessoas da comunidade LGBT inclusive, porque tenho muitos amigos que são LGBTs e eu sofro bifobia deles. Hoje em dia, menos, porque eu sempre bato na tecla, sempre balanço a bandeira da bissexualidade porque as pessoas invisibilizam muito pelo fato de eu estar namorando com uma mulher.

Então eu já ouvi muito na minha vida “ah, o teu relacionamento é de fachada, tu gosta mesmo é de homem”, porque eu sou um homem bissexual que tem trejeitos femininos. Assim como existem homens bissexuais que não tem tantos trejeitos, existem também os que tem e eu sou um deles. Eu tenho muito trejeito afeminado, mas isso não quer dizer que eu seja gay. E isso não quer dizer que eu esteja com uma mulher apenas por fachada.

Eu sou completamente apaixonado por uma mulher e isso não diminui a minha bissexualidade, mas eu sofro muito com a bifobia sim. Eu lido com isso até hoje, já fiz terapia para lidar, é uma questão pra mim porque eu ainda não sou assumido para minha família. Eu sou assumido pra quem me pergunta, mas a minha família nunca me perguntou, então eu nunca falei isso pra eles. Ninguém é héterossexual e chega pra sua mãe e fala “eu sou hétero”.

Então a homofobia ela já estava muito presente na minha vida desde a minha infância, e aí a partir do momento que eu comecei a me relacionar com a mulher que a bifobia entrou na minha vida. Acontece muito, brincadeirinhas também, sabe? Sempre me associando a um homem gay. “Não tem como o Davi ser bissexual, eu duvido disso”, “ah eu ainda tenho minhas dúvidas”, “ai, será que é só fachada?”. Eu escuto muito isso.

Em relação ao meu relacionamento: desde quando a gente começou a namorar eu já deixei isso bem claro pra ela. Foi um baque, ela não imaginava, mas a gente lida com isso de uma forma muito natural e ela também é bissexual. Ela descobriu a bissexualidade dela através de mim e foi muito legal! A partir do momento que eu fui compartilhando com ela as coisas que eu sentia, as minhas vivências, enquanto homem bissexual, ela se descobriu uma mulher bissexual também. Isso é muito muito massa, muito libertador, então a gente tem uma relação muito tranquila com isso, a gente lida com isso de uma forma muito tranquila.

Até porque um homem bissexual que tem um trejeito afeminado não diz nada sobre a sua orientação sexual. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu posso andar de saia, eu posso andar maquiado, eu posso andar todo montado mas aquilo não vai dizer nada sobre a minha orientação sexual, sobre por quem eu me atraio, entendeu? A forma como eu performo socialmente não diz em relação sobre por quem eu me atraio. Orientação sexual não tem nada a ver com identidade de gênero.

É uma coisa que as pessoas ainda não sabem, né? Por pura falta de informação, falta de curiosidade mesmo, de entender. (...) Eu não trato mais isso (bifobia) como se fosse brincadeira. Inclusive, aconteceu recentemente numa roda de amigos de uma pessoa chegar e falar “ah, mas você quer, né? Como é que tu é bissexual, está há sete anos num relacionamento hétero, tu não sente falta de um órgão genital masculino? Tu não sente falta de uma pegada de um homem?”. Essa questão carnal não é uma não é uma necessidade, entendeu? É normal você achar um um outro rapaz bonito, uma outra menina bonita. Isso é super normal. Então por que que não seria normal num relacionamento bissexual? Não necessariamente porque a gente é bissexual que vamos precisar trair para suprir essa necessidade de ficar com aquela outra pessoa."

Quais comentários estereotipados você já ouviu?

“'Cara, não tem como tu gostar de mulher, tu é muito afeminado'. Só que as pessoas brincam com isso. Tipo, “tu não tem condições de tu ser bi, não tem condições de tu gostar de mulher porque tu é muito afeminado”. Já aconteceu também de eu estar em festas com a minha namorada e um cara chegar nela, ela dizer que está acompanhada e o cara não acreditar que eu sou o namorado dela. Já aconteceu de a gente estar numa festa com a minha companheira e eu precisar beijar ela pra mostrar pra ele que a gente é um casal, entendeu? Já aconteceu porque o cara não acreditava que eu era o companheiro dela, porque eu era afeminado, eu estava na festa dançando horrores.

A nossa sociedade ainda é muito machista. Apesar de a gente estar na posição de privilégio, de a gente não sofrer tanta homofobia por estarmos num relacionamento hétero, mas a gente sofre, ainda sim, muita bifobia. As pessoas não acreditam que a gente é um casal e esse é o problema que a gente vive. Claro que as outras as outras siglas, as pessoas trans, travestis. E que tem as suas lutas, né? Lutas essas que eu considero particularmente muito pior do que as nossas enquanto pessoas bissexuais, mas a gente tem as nossas lutas, a gente tem os nossos percalços todos os dias.

Pessoas tentem visibilizar muito, até mesmo pessoas gays e lésbicas, que acham que a gente está na posição de privilégio por ser bissexuais, por a gente ter essa possibilidade de estar num relacionamento hétero e a gente sofrer menos. Em parte eu concordo com isso, mas, por exemplo, para um homem como eu, que não performa a masculinidade, eu não diria que isso é necessariamente um privilégio pelo que eu acabei de descrever.

Pra ter noção das coisas que a questão da bifobia ocasionou em mim, enquanto homem bissexual, eu preciso performar uma masculinidade que não é minha, que não é natural minha pra eu ser respeitado enquanto homem, entendeu? Enquanto homem, então às vezes eu preciso ficar mais sério, não sorrir tanto, ficar um pouco mais contido. Tanto quando eu estou sozinho nos lugares, quanto quando eu estou com ela. Pras pessoas me levarem a sério."

Relacionamentos

"Como já falei, desde a minha infância as pessoas tinham certeza que eu ia ser gay. Eu namoro com a Vitória desde os dezesseis anos, então acho que deve ter sido uma surpresa pras pessoas. No começo era muito complicado porque sempre brincavam falando “Ah, Davi, eu jurava que tu era gay, não imaginava que tu fosse ficar com a mulher”. Os meus amigos, hoje em dia, me entendem. Enquanto homem bi eles não questionam mais.

Acontecia antes, hoje em dia não acontece mais com tanta frequência de tanto eu bater nessa tecla. Eu sou um homem afeminado que gosta de mulher. E é isso. Vocês vão ter que aceitar. Por mais que não entre na cabeça de vocês, que vocês achem estranho, que vocês achem que eu estou disfarçando algo, mas não tem nada a ser disfarçado. Eu gosto dela, vou ficar com ela e eu já ouvi comentários “Ai Davi, vai ser feliz”, como se eu não estivesse sendo feliz porque eu estou namorando uma mulher. Então é muito doido.

As pessoas são bifóbicas sem perceber. Em relação aos meus amigos hoje, depois de tanto falar pra eles pra que entre na cabeça deles, que dentro da sigla LGBTQIA+ existe toda uma diversidade, que isso não está só no papel, que isso não é só uma uma uma sigla bonita e extensa.

Assim como é totalmente comum que uma mulher que tem trejeitos masculinos se atraia por um cara. Não necessariamente ela está ficando com a pessoa porque ela está confusa. Ou porque ela ainda não se descobriu totalmente.

Em relação a minha namorada, desde o início do nosso relacionamento que eu deixei isso bem claro pra ela de que eu era um homem bissexual, foi muito tranquilo. Eu sou eu mesmo com a minha namorada, não disfarço nada dela. Ela me conhece cem por cento e por completo. Isso nunca foi uma questão. Isso nunca diminuiu.

A questão é que nunca gerou nenhuma desconfiança nela, sabe?! E eu sempre me preocupei que isso não acontecesse. Eu sempre me preocupei ao máximo pra que ela fosse extremamente amada, desejada e feliz com a comigo. Então isso nunca foi uma questão pra ela. A questão de eu ser bissexual e isso de alguma forma afetar o nosso relacionamento. Nunca afetou. Tanto que a partir de mim ela também se descobriu a mulher bi. E lida muito bem com isso. De uma forma super saudável."


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Moral da história

Abrace todas as formas de ser!

As relações bissexuais, assim como diversas outras relações que saem do padrão heteronormativo, inquietam as pessoas. Mas a bissexualidade é legítima. E que toda a ignorância referente à falta de conhecimento sobre essa orientação sexual se transforme em interesse por conhecer e compreender a singularidade do grupo.