Comum para mulheres que não desejam mais engravidar, a laqueadura é um procedimento de esterilização de difícil reversão. Entenda o que é a laqueadura e tudo que você precisa saber sobre a cirurgia.

Black Mirror? Não, vida real! A laqueadura é um direito sexual e reprodutivo que, até o ano de 2022, necessitava de autorização obrigatória do cônjuge para ser realizado em mulheres.

Nesse texto você entende:

  • Quando surgiu
  • O que é laqueadura
  • Eficácia e reversibilidade
  • Como funciona o procedimento
  • Vantagens vs desvantagens do procedimento
  • Legislação
  • Sem engravidar? Sim! Sem camisinha? Nunca!
  • Pós-cirurgia: cuidados e alertas
  • A importância dos 60 dias
  • Laqueadura por direito

Quando surgiu?

Imagem via Unsplash

Em meados do século XIX, a laqueadura surgiu como método contraceptivo por meio de experimentos realizados, a princípio, em coelhos. A primeira esterilização tubária em humanos foi realizada no ano de 1881, quando uma americana teve suas tubas uterinas amarradas por já ter se submetido a duas cesáreas.

Passados mais de cem anos da realização da primeira laqueadura tubária (LT), a procura pelo método tem aumentado significativamente.

O que é a laqueadura?

Para entender a laqueadura, é preciso ter um conhecimento mínimo sobre o corpo feminino e o seu funcionamento. Desde o nascimento, a menina traz nos ovários todos os folículos que irão amadurecer ao longo da vida fértil e eliminar os óvulos que existem em seu interior. A partir da puberdade, mulheres passam a eliminar óvulos que existem no interior dos ovários e passam a menstruar.

Quando um desses óvulos é liberado e desce por uma das trompas, este pode ser fecundado por um espermatozóide que pode, ou não, ser depositado na vagina. Em casos de fecundação, o óvulo fecundado é empurrado para baixo pelo movimento dos tecidos que revestem as trompas e vai aninhar-se no útero.

E no que consiste o procedimento?

Se trata de uma cirurgia que tem como objetivo o fechamento das tubas uterinas. O resultado do procedimento é o impedimento da comunicação entre o ovário e o útero, impossibilitando a chegada do esperma ao óvulo. O procedimento é considerado simples e dura cerca de 40 minutos.

Eficácia e reversibilidade

A eficácia do procedimento pode depender de diferentes fatores, como a idade da paciente, técnica cirúrgica e tempo da cirurgia. O índice de falha do procedimento gira em torno de 2% em 10 anos, ou seja, a falha cumulativa é de 18,5 em 1000 pacientes.

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Para quem questiona a reversibilidade, a resposta é que esta é de difícil feitura. A laqueadura é um procedimento que, para além de extrema eficácia, tem difícil reversão. Por isso, antes de ir para frente com a decisão, as mulheres costumam passar por diversas etapas até conseguirem, de fato, realizar a cirurgia.

Como funciona o procedimento

Disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), a laqueadura é tida como forma de planejamento familiar, indicada para mulheres com mais de 21 anos ou nos casos em que uma gravidez pode colocar a mulher em risco, como doenças cardíacas, renais ou pulmonares graves, por exemplo.

Feita pelo ginecologista e com duração de cerca de 40 minutos, a cirurgia pode ser realizada por um corte na região abdominal, que é considerado um método mais invasivo, ou por laparoscopia, em que são feitos pequenos furos na região abdominal que permitem o acesso às tubas, sendo menos invasivo.

Separando em tipo, temos as laqueaduras feitas por via vaginal são representadas pela colpotomia e histeroscopia. Já as laqueaduras feitas por via abdominal são representadas pela minilaparotomia e a  videolaparoscopia.

Vantagens x Desvantagens

Assim como tudo na vida, nada é perfeito. A laqueadura pode trazer diversos benefícios para a vida de uma mulher, mas ela também apresenta os seus poréns.

Como vantagem, podemos citar:

  • Chances quase nulas de gravidez
  • Não possui efeitos colaterais a longo prazo
  • Não interfere na amamentação
  • Dispensa o uso de outros métodos contraceptivos

Quanto às desvantagens, destacam-se:

  • Método contraceptivo “permanente”, ou seja, de difícil reversão
  • Possibilidade de falha na cirurgia e, por consequência, desencadear uma gravidez de risco
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Legislação

Em entrevista para o Portal Drauzio Varella, a professora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Tânia Giacomo do Lago, esclarece que as questões legais que permitem a realização da laqueadura em mulheres muitas vezes não saem do papel.

Drauzio – O que mais me intriga nessa questão da laqueadura é que o País levou anos e anos para aprovar a lei do planejamento familiar e que vocês enfrentaram grandes dificuldades para regulamentá-la, mas enfim ela está aí, uma lei boa que requer apenas alguns acertos. No entanto, na prática, ela simplesmente não existe para respaldar o atendimento das mulheres que desejam fazer laqueadura.

Tânia Giacomo do Lago – Na verdade, é muito infrequente a aplicação da lei por vários motivos. Primeiro porque, apesar de garantir que é obrigação dos governos ofertar métodos reversíveis de controle da natalidade no SUS, sabemos que essa oferta é insuficiente e intermitente, ou seja, o SUS acaba não sendo uma fonte confiável para a anticoncepção. Em segundo lugar porque, embora a intenção ao regulamentar a lei fosse garantir o acesso à laqueadura em condições mais seguras para as mulheres que usam o SUS, esse objetivo também não foi alcançado. Além do obstáculo representado pelo período de 42 dias após o parto, muitos médicos resistem em aplicar a lei, porque discordam de alguns critérios estabelecidos por ela.

Drauzio – Cabe ao médico o papel de colocar-se contra ou a favor de uma lei que está vigendo no País para nortear o seu cumprimento? Posso dizer que não concordo que meu carro tenha de parar diante do sinal vermelho, mas tenho o direito de não parar e atropelar os transeuntes que atravessam a rua?

Tânia Giacomo do Lago – Acredito que nós, médicos, devemos defender a possibilidade de objeção de consciência, porque não é possível sermos obrigados a fazer o que vai contra nossos valores fundamentais. No caso da laqueadura, não é esse o problema. Parte dos médicos resiste em realizá-la porque acha que 25 anos é muito cedo para a mulher tomar essa decisão, especialmente se ainda não teve filhos. Na base desse parecer, está a ideia culturalmente estabelecida de que mulher e mãe são figuras quase indissociáveis e que a identidade feminina só se completa na maternidade. Na verdade, agindo assim, os médicos discutem a capacidade que as mulheres têm de decidir sobre a própria vida.

Drauzio – Na série que fizemos para a televisão sobre esse tema, ficou evidente que não só as moças com 25 anos os médicos julgam jovens para fazer a laqueadura. Mulheres com 35 anos e doze filhos enfrentam o mesmo problema. Parece existir certa má vontade dos colegas em relação a esse procedimento, isso sem falar naqueles que envergonham a profissão e cobram por fora para fazer uma cirurgia que deveria ser feita gratuitamente.

Tânia Giacomo do Lago – De fato, há médicos que cobram por fora para realizar esse procedimento, o que é um crime em todos os sentidos, um crime sob o ponto de vista ético e contra a saúde pública. O pior é que quanto mais se incluem obstáculos para a realização da laqueadura pelo SUS, mais estamos empurrando as pessoas para esse pagamento, às vezes, cobrado dentro do próprio SUS. Gostaria de lembrar, porém, que há o senso comum de que as mulheres historicamente assumiram resolver o problema da anticoncepção por sua própria conta. Enquanto agirem assim, o sistema não vai se mexer e os médicos continuarão a dar prioridade a outras questões que consideram mais graves.

Sem engravidar? Sim! Sem camisinha? Nunca!

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Já explicamos que com DST’s ou IST’s não se brinca. A única forma de se proteger de toda e qualquer doença sexualmente transmissível é por meio da camisinha. Por isso, o procedimento não é cartão verde para sexo sem preservativo.

Além disso, é importante lembrar que as mulheres que antes faziam uso de algum anticoncepcional e, por esse motivo não menstruavam, voltam a ter um ciclo normal. Nem tudo são flores, meninas!

Cuidados antes do procedimento

A mulher precisa estar totalmente determinada e certa de sua decisão. A ginecologista responsável realizará uma avaliação para discutir a melhor maneira de realizar a laqueadura, tendo em vista que as técnicas da operação podem variar de acordo com a pessoa.

Para prosseguir com a cirurgia, também é necessário que se faça a assinatura de um termo de consentimento. Após isto, a mulher terá acompanhamento psicológico que busca analisar possíveis dúvidas e/ou arrependimentos. Passados 60 dias e com aprovação do psicólogo, o procedimento poderá ser realizado.

Pós-cirurgia: cuidados e alertas

Mesmo se tratando de um procedimento simples e relativamente rápido, é fundamental que a mulher tome algumas precauções. Para evitar complicações no pós-operatório, é indicado que se evite o contato íntimo e a realização de tarefas pesadas. Repouso total!

A alimentação é um fator essencial no período de recuperação. Comer alimentos saudáveis que ajudam na cicatrização, assim como exercícios leves para estimular a circulação sanguínea.

A importância dos 60 dias

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Como explicamos, antes de realizar o procedimento a mulher passa por uma série de exames e avaliações psicológicas. Não por outro motivo, mas para que possamos nos sentir seguras e firmes quanto à decisão.

Quando esse processo é ignorado e a laqueadura é feita “às pressas”, os efeitos podem ser catastróficos. Diversas mulheres já foram submetidas ao procedimento sem consentimento e sob a alegação de que “é o que a lei estabelece”. Mas lembrem-se: sem permissão, sem cirurgia.

Falar sobre a laqueadura com o seu médico se faz importante até mesmo nesse momento de esclarecimento.

Laqueadura por direito

Ainda existem mulheres que não conhecem o procedimento ou que sequer ouviram falar dessa possibilidade. Existem mulheres que são privadas desse direito por médicos que impõe seu moralismo como uma verdade absoluta. Mas a laqueadura é nossa por direito.

Foi apenas no Dia Internacional da Mulher do ano de 2022 que a Câmara dos Deputados aprovou projeto que retira essa obrigação do consentimento entre marido e mulher para realizar a laqueadura.

São pequenas vitórias que vão abrindo portas para que outras diversas mulheres possam ter cada vez mais controle sobre o próprio corpo.