A virgindade feminina é cercada de mitos, conceitos morais e religiosos e falta conhecimento sobre o hímen. Aqui você desconstrói o que te contaram sobre virgindade.
Ao ler você aprende:
- Os mitos da virgindade
- Qual a anatomia do hímen
- A virgindade como sinal de virtude (aspectos histórico/culturais)
- A problemática acerca dos testes de virgindade
- Como a virgindade ainda é percebida na contemporaneidade
- Importância de educação sexual/autoconhecimento
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há uma definição universal do termo virgindade - seu significado varia de acordo com a época, região, cultura e religião. A palavra "virgem" vem do latim raiz virgo, literalmente significando "donzela" - interpretada como uma jovem mulher que não teve relações sexuais vaginais.
O conceito de virgindade não é um termo médico ou científico; é, ao contrário, uma construção social, cultural e religiosa”.
A OMS ainda alerta para a expectativa social acerca da virgindade e sua origem. “A expectativa social desproporcional de que meninas e mulheres devam permanecer ‘virgens’ (isto é, sem ter relações sexuais) até o casamento está enraizada em noções estereotipadas de sexualidade feminina que têm sido nocivas para as mulheres e meninas em todo o mundo”.
Toda mulher sangra na primeira relação sexual
O hímen é um pedaço fino de tecido mucoso. Ele fica localizado e cobre parcialmente a entrada do canal vaginal. Normalmente possui uma abertura anelar, por onde são eliminadas secreções e o sangue menstrual.
Esse mito vem da crença que o sangramento e a primeira relação sexual tem uma origem: o rompimento do hímen.
Há o mito de que o hímen é como um lacre que se rompe ou é quebrado quando a mulher “perde a virgindade”. Acontece que ele é elástico e nem sempre sangra, pode apenas sofrer alterações no seu formato.
O sangramento durante a primeira relação sexual, em muitos casos, pode ocorrer pelo chamado “tear of the hymen” (lágrima do hímen, em tradução livre). Em outros, pode ser ocasionado pela falta de lubrificação e não pelo seu desaparecimento. O que nos leva ao segundo mito.
O hímen desaparece
Imagine um balão cheio de ar. Com uma agulha você o estoura e ele se perde. Não é bem assim que acontece com o hímen. A expressão popular em inglês “pop the cherry” sugere que o hímen é como um lacre, que após ser aberto é descartado.
Como mencionado, após a primeira relação sexual, o hímen pode sofrer alterações no seu formato. Sua elasticidade o torna resistente e é capaz de aguentar uma relação pelo canal vaginal. Praticar esportes ou atividades físicas podem também exercer pressão e fazê-lo mudar de forma ou sangrar. Portanto, a crença de que o himen desaparece é um mito.
No ano de 1906, mais de 100 anos atrás, a médica norueguesa Marie Jeancet teve essa confirmação. Dr. Jeancet avaliou uma paciente profissional do sexo de meia idade e concluiu que sua vagina permanecia remanescente de uma adolescente virgem. Outra pesquisa mais recente foi realizada com 36 adolescentes grávidas(*), durante a examinação só foi possível indicar sinais de “rompimento do hímen” em apenas duas delas.
*O estudo foi popularmente citado no TEDx Talk “A Fraude da Virgindade”. Muito se procurou se a pesquisa foi, de fato, realizada. A equipe dos Lábios Livres encontrou: “Genital Anatomy in Pregnant Adolescents: “Normal” Does Not Mean “Nothing Happened”. Clique aqui para ler.
Em 2019, em um artigo publicado pelo jornal Reproductive Health, pesquisadores afirmam que médicos devem parar de usar as palavras “intacto”, “rompido” ou “virgem” para descrever o hímen.
As médicas Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl - autoras do livro "The Wonder Down Under" (título original "Gleden med skjeden") - explicitam como o hímen realmente é, e o que ele significa para mulheres ao redor do mundo durante o TEDx Talk “A Fraude da Virgindade”.
O objetivo do TEDx Talk “A Fraude da Virgindade” é o empoderamento de jovens por meio de uma educação sexual melhor e por informações sobre seus corpos baseadas em pesquisas.
Não é possível abrir as pernas de uma mulher e ver seu histórico sexual”.
Só se perde a virgindade com penetração
A associação da virgindade exclusivamente com a penetração não é inclusiva. Além da penetração vaginal, existem outros tipos de relações sexuais, como “sexo anal” e o “sexo oral”, por exemplo. O assunto sexo é um tabu em muitas sociedades e possui origens históricas difusas para tal.
A fim de quebrar esses tabus e normalizar o assunto sexo, é de extrema importância o conhecimento sobre o próprio corpo, sua anatomia e suas funções. A educação sexual é uma matéria por vezes muito ignorada, mas de relevância vital para uma sociedade diversa e igualitária com pessoas felizes e saudáveis.
Além disso, colocar um peso quando o assunto é sexo torna dele um fardo para pessoas que sofreram siatuações trumáticas como abuso e estupro.
A medicina é capaz de provar a virgindade da mulher
Não há nenhum exame que possa provar que uma garota ou uma mulher fez sexo, assim alerta a OMS. Ainda que a Organização alerte para a violação dos direitos humanos e não eficácia científica, o teste de virgindade ainda é realizado em cerca de 20 países. São esses: Afeganistão, Brasil, Egito, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Jamaica, Jordânia, Líbia, Malawi, Marrocos, Ocupado
Territórios Palestinos, África do Sul, Sri Lanka, Suazilândia, Turquia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Zimbábue.
O teste de virgindade, também conhecido como “two-finger test” (teste dos dois dedos) é uma inspeção da genitália feminina destinada a determinar se uma mulher ou menina teve relações sexuais vaginais. Como mostrado em uma revisão sistemática do teste de virgindade, o exame não tem mérito científico ou indicação clínica - o aparecimento de um hímen não é uma indicação confiável de relação sexual e não há nenhum exame conhecido que possa provar um histórico de relação sexual vaginal.
Além disso, a prática é uma violação dos direitos humanos da vítima e está associada a consequências imediatas e a longo prazo que são prejudiciais ao seu bem-estar físico, psicológico e social.
A prática prejudicial do teste de virgindade é uma questão social, cultural e política, e sua eliminação exigirá uma resposta social abrangente apoiada pela comunidade de saúde pública e profissionais de saúde. Nao ha teste ou forma cientifica de identificar quando uma mulher teve fez sexo, portanto a opção mais crível de saber se uma mulher já teve relações sexuais deve ser pergunta-la.
Ao redor do mundo, mulheres buscam reconstituir o hímen antes de fazer o teste de virgindade. Muitas delas precisam ter o hímen intacto para contratos de casamento e para entrar no exército de seu respectivo país. As formas encontradas para a reconstituição do hímen são: cirurgia para re-virginizar, conhecida como himenoplastia e o uso de himens fakes durante a relação sexual.
Na Indonésia, até 2021, o teste de virgindade era exigido para mulheres que desejavam entrar para o exército. Em muitos países, os testes de virgindade são realizados com finalidade matrimonial.
A ideia do sangue no lençol ainda é presente em muitas culturas. Outras mulheres recorrem aos himens fakes, que se rompem e liberam um sangue teatral. Nos casos em que essa “prova” não é apresentada, o casamento é anulado e a mulher, castigada. Em muitos países os membros mais velhos do clã masculino ou o patriarca da família ordena a execução do crime de honra. Esses são além de ordenados, executados por familiares que alegam que as vítimas danificaram o prestígio ou a honra da casa.
Os maiores mitos, conceitos morais e religiosos e falta conhecimento sobre o hímen sobre a virgindade da mulher são a prova de ainda há muito o que se discutir e alertar quando o assunto é sexualidade feminina. Não há uma idade máxima que pressione a mulher a perder a virgindade, é preciso conhecer seu corpo e identificar quando ele está preparado e o mais importante de tudo: entender que será no seu tempo.
Por que a virgindade feminina é mais valiosa que a masculina?
Por que a virgindade da mulher é tão valiosa? Aqui precisamos rebobinar e voltar à História.
Como mencionado, o conceito de virgindade varia de acordo com a época, região, cultura e religião. Em termos religiosos, uma fatia das maiores religoes do mundo (Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo e Judaísmo, por exemplo) condenam o sexo fora do casamento, seja este antes do matrimonio ou fora dele -adulterio.
De acordo com o artigo científico “O olhar das religiões sobre a sexualidade”, de José Amilton da Silva, professor PDE do Paraná com pós-graduação em História do Brasil e Pedagogia para o Ensino Religioso, a religião em relação à sexualidade tem sido um instrumento ideológico e político-social, de forma que tem orientado os indivíduos para uma moral, na maioria das vezes, negando sua sexualidade.
O pesquisador cita o Taoísmo, o Budismo e o Confucionismo como exceções. “A maior exceção vem dos orientais que se pautaram pelas orientações religiosas do Taoísmo, Budismo e Confucionismo que têm uma relação no se refere à sexualidade sem a força repressora como as Igrejas cristãs, desta forma a sociedade oriental sempre foi muito mais livre e natural que a ocidental”.
Durante a Revolução Agrícola (mudança no sistema de produção na Europa entre os séculos 18 e 19), período em que houve o incremento de tecnologias às técnicas até então aplicadas no plantio. As famílias passaram a se fixar e a sociedade deixou de ser formada por caçadores e coletores para mais agricultores colonos. A propriedade começou a ser muito mais importante.
Os homens começaram a ser mais valiosos porque podiam fazer trabalho duro e as mulheres começaram a ser mais valiosas com base em quantas crianças (homens, em especial, para serem futuros trabalhadores) poderiam produzir.
Para a construção da sociedade patriarcal, os homens precisavam ter certeza de que as crianças que eles estavam criando eram legítimas. Isso nos leva a ligação direta com a virgindade e boa conduta da mulher. Tendo como exemplo as sociedades monárquicas, os reis tinham a necessidade de provar a legitimidade dos seus herdeiros e sucessores ao trono. Para isso, a rainha precisava ser “pura” e não adultera.
Na Roma antiga, as Virgens Vestais(*) eram guardiãs do fogo sagrado de Vesta. Se a chama do fogo se apagasse, acreditava-se que a virgem foi corrompida. Quando uma das mulheres eras encontrada ou suspeita de estar fazendo algum tipo de relação sexual, a penalidade era ser enterrada viva.
Na Idade Média, na Europa, o cristianismo viu a ascensão da Virgem Maria como a nova Eva, reforçando a importância da pureza feminina. O conceito do cavalheirismo, por exemplo, foi estabelecido em defesa da honra de uma bela donzela, uma virgem. Então, basicamente, procurou-se treinar homens em como proteger essas damas.
Muitos mitos e lendas em torno de virgens surgiram. Os astecas acreditavam que os abacates eram tão sexualmente poderosos que as virgens são proibidas de comê-los. Os gregos antigos acreditavam que certas cobras só se permitiriam ser alimentadas por virgens e, de acordo com a lenda, apenas as virgens poderiam domar unicórnios.
Percorrendo as páginas da História do mundo, é possível entender como, até os dias atuais, a virgindade feminina assim como a sexualidade da mulher ainda é um tabu. O significado de virtude e a inclinação para o bem e a qualidade ou atributo que está de acordo com a moral, a religião, ou até a lei.
Infelizmente, ainda existem mulheres ao redor do mundo que passam por rituais abusivos, invasivos e agressivos para sinalizar virtude para uma sociedade patriarcal. É importante que tenhamos conhecimento disso para agir se houver a oportunidade.
Na sociedade ocidental em que vivemos atualmente, em que a mulher conquistou o direito de planejar sua vida, o seu conceito moral de virtude pode residir em outros atributos que não seja sua virgindade. E mesmo assim, muitas mulheres ao nosso redor podem se sentir mais ou menos valorizadas por conta de sua virgindade. Em ambientes religiosos, o ato sexual antes do casamento ainda é tratado como uma grande vergonha.
Com entendimento sobre o desenvolvimento histórico da cultura em que estamos inseridas, além de conhecimento sobre o nosso próprio corpo, prazer e anatomia, é possível se despir aos poucos das culpas equivocadas com as quais crescemos.
Aqui nos Lábios Livres, queremos ajudar mulheres a se libertarem das amarras de uma sociedade ultrapassada e patriarcal através da informação, diálogo e rede de apoio com outras mulheres.
Que culpas você já conseguiu deixar pra lá depois que passou a se informar melhor?