"Você tem que estar muito consciente. Uma vez que você joga na internet não tem como voltar atrás e é o seu corpo”, afirma Charry Jin, modelo e criadora de conteúdo para o Only Fans durante a Live dos Lábios.
Only Fans virou uma febre nos últimos anos e gera uma renda de bilhões de dólares por ano para seus criadores de conteúdo. De um lado, controvérsias, e de outro, o empoderamento feminino. Conheça a história de Charry Jin, modelo e fotógrafa brasileira com descendência chinesa, que encontrou conforto ao usar o Only Fans. Nessa matéria, nós falamos sobre o que é a plataforma e se a junção entre Only Fans e empoderamento feminino é possível.
O que é o Only Fans
Only Fans, criado em 2016 na Inglaterra, é uma plataforma de produção de conteúdo em que os seus usuários podem assinar perfis cadastrados. Os conteúdos que vão para o Only Fans são das mais diversas categorias, como música e o mais famoso deles: o mercado adulto. O valor de cada assinatura é definido pelo criador de conteúdo, por isso varia bastante dentro da plataforma.
Segundo a empresa britânica, eles geram cerca de R$ 27 bilhões por ano para mais de 2 milhões de criadores. Para o recebimento das assinaturas, o Only Fans cobra uma taxa em cima do valor pago pelos assinantes. De acordo com a política da empresa britânica, o limite mínimo para cadastro é de 18 anos. Porém, o documentário da BBC “#Nudes4Sale” põe uma lupa no mercado de entretenimento adulto, e denuncia a presença de menores de idade na plataforma.
Atualmente, segundo a Lei de Segurança Online britânica, empresas serão multadas em £ 18 milhões ou 10% de seu faturamento global caso a presença de menores de idade permaneça na plataforma.
Dentre os usuários, existem personalidades públicas se destacam. No Brasil, a funkeira MC Mirella diz faturar cerca de R$ 480 mil por mês durante o podcast Lavando a Roupa, de Lucas Selfie, e disse ainda estar no top 2 do site.
O corpo também é político
Ainda que envolto de problemáticas, o que torna o Only Fans uma febre para as mulheres? A plataforma se tornou uma ferramenta em que mulheres, que já trabalham com a indústria adulta, possam controlar as imagens que fazem dos próprios corpos e a receita que geram com eles. Para outras, o Only Fans proporcionou uma nova visão sem tabus sob seus reflexos, além de gerar uma renda com isso.
Apesar das controvérsias, o Only Fans surge para muitas mulheres como um brado de liberdade. Em que o corpo também é político e a pele feminina representa poder e não um tabu. Não obstante, o local emerge enquanto contraponto ao mercado pornô tradicional. Dentro da indústria do mercado de entretenimento adulto: mulheres têm controle sobre como posam, o que publicam e o quanto ganham por isso. Isso se torna símbolo de transgressão!
Para Simone de Beauvoir na sua obra “O Segundo Sexo” (1949), a mulher não é uma vítima incapaz, não se nasce livre pois o corpo envolto de condições sociais e culturais do patriarcado nos aprisiosa. Mesmo assim, a mulher tem capacidade de agente pois ainda que não nasça livre, torna-se livre.
Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância. Simone de Beauvoir
Charry Jin, modelo, fotógrafa e dona de um perfil de sucesso na plataforma conta ao Lábios Livres sua história ao usar a arte para empoderamento e construção do seu feminino. Charry ainda conta como tudo isso a levou, em 2020, para a plataforma.
Em post publicado no Instagram, Charry reflete sobre o conforto em trabalhar o próprio reflexo: “Amo ter meu tempo só, movimentar meu corpo e ver as tantas possibilidades do que ele é capaz de fazer e também de decifrá-lo naquele momento.”
Durante a Live dos Lábios, em novembro de 2021, Charry tira dúvidas das seguidoras e reflete sobre a liberdade que a plataforma significa para muitas mulheres: “Para entrar no Only Fans você tem que estar muito consciente do que está por vir, tem que estar muito à vontade consigo mesma. Não fazer só porque está na moda ou pelo dinheiro. E sim tem que entender aquilo de certa forma pode vazar. Vão ter homens que vão querer algum conteúdo que você não se sente confortável em fazer. Então você tem que estar muito consciente. Uma vez que você joga na internet não tem como voltar atrás e é o seu corpo”.
Nas palavras de Charry Jin
“Eu fui criada pela minha avó materna quando criança e ela era extremamente católica e do outro lado, minha família paterna é chinesa, ou seja, super tradicionais e fechados. E pra ajudar estudei numa escola evangélica onde tinha muitas regras e muitas coisas eram proibidas.
Sempre fui uma criança curiosa e lembro que aos sete anos assisti ao filme “Lua de fel” do Polanski escondida, obviamente não era um filme pra criança, tinha muitas cenas de sexo e nudez e fiquei encantada, simplesmente queria ver e saber mais sobre esse mundo. Ao decorrer dos anos fui assistindo a mais filmes escondida que abordavam o tema de relacionamentos, traições e sexo.
Aos quinze anos comecei a namorar e aos dezesseis eu perdi minha virgindade, eu era uma menina e o sexo era algo ainda muito novo pra mim mas desde cedo eu ja sabia o que era um orgasmo pois comecei a me masturbar muito nova, me masturbava escondida, claro! Porque para a minha vó aquilo era algo feio a se fazer.
Aos dezessete anos estava no meu segundo namoro e comecei a descobrir coisas novas no sexo, foi a primeira vez que havia recebido sexo oral e foi um novo mundo que se abriu pra mim, eu amei e estava aprendendo o que era receber prazer. Nessa época eu estava lidando com o meu corpo, eu era magra e não tinha peitos o que me incomodava muito, eu tinha uma obsessão em querer colocar silicone e ficar como as minhas amigas que tinha seios grandes. Eu transava de sutiã com o meu namorado pois tinha vergonha do meu corpo. Depois dele me passar muita confiança eu me mostrei completamente nua pra ele.
Aos dezenove anos a minha paixão pela fotografia começou a aparecer mais e mais, eu pedia a todo momento para que o meu namorado me fotografasse nua. Eu me sentia livre naquele momento, bonita e mulher. Depois de alguns anos ele comprou uma câmera profissional e sempre fazíamos fotos em quartos de hotéis.
Aos 24 anos me casei com um fotógrafo e começamos a trabalhar juntos, foi nesse período que minha experimentação com o auto retrato começou e fui conhecendo cada vez um pouco mais sobre como se expressar com o meu corpo.
Sempre tive diários e criei um blog com meus textos e usava minhas fotos como forma de me expressar. Comecei a mostrar pouco a pouco um outro lado meu. Um lado misterioso, sombrio e sensual.
Nessa época eu comecei a trabalhar como modelo também, e trabalhei em muitos workshops de fotografia onde eu era uma das modelos dos alunos, o que me fez crescer mais como fotógrafa também.
O julgamento sempre existiu sobre os corpos nus, e teve um período em que eu parei de postar minhas fotos, simplesmente porque eu estava exausta das pessoas me julgarem. Levou um tempo para eu chutar o balde e voltar a fazer o que eu realmente amava. Tive alguns relacionamentos que tentaram acabar com esse meu lado por ciúmes, no começo eu até tentava parar para evitar brigas mas no final sentia um vazio e tristeza por tentar esconder um lado meu que sempre existiu.
A maior revolução pessoal e sexual veio após o meu divórcio, depois de eu ter chegado no fundo do poço, me levantei e fui viver minha vida, 2017 foi o ano mais louco da minha vida, me permiti experimentar de tudo como nunca antes, eu sempre tinha sido até então uma “boa menina” ou o que eu acreditava ser uma boa menina.
Eu que sempre estava dentro de um relacionamento, dessa vez queria distância de alguma coisa séria, me permiti viver muitas aventuras amorosas, e com uma dessas pessoas encontrei uma conexão sexual que até então não tinha vivido com ninguém, no nosso primeiro encontro tivemos um orgasmo juntos - coisa rara pra mim.
Com ele entendi o que era sexo gostoso de verdade, entendi que meu corpo e prazer poderiam chegar em lugares que eu ainda nao havia imaginado que fosse possivel.
Eu já não deixava mais que a opinião dos outros me paralisasse, eu era adulta o suficiente pra viver minha vida sem culpa de seguir meus desejos como mulher, e que essa busca cada vez me traria coisas extraordinárias.
Fiz ménage, transei com homem, com mulher, experimentei alguns fetiches, e finalmente fui descobrindo do que eu gostava e do que eu não gostava.
No meu instagram eu compartilhava cada vez mais minhas fotos, e sempre recebi muitas questoes de como minha família lidava com isso, ou como lidar com namorados ciumentos, e a resposta é: sou uma mulher adulta, mesmo que minha familia nao concorde nao posso mudar o que sou para agradá-los. E no relacionamento, se um namorado me reprime pelas fotos que eu faço então não podemos ficar juntos. Não vamos dar certo, simples assim.
No final do ano passado juntei o útil ao agradável, e fiz uma conta no Onlyfans, finalmente teria uma plataforma onde eu poderia publicar minhas fotos sem censura e ainda ser remunerada por isso. Confesso que foi uma porta que abri que está me dando uma liberdade de descobrir o que eu gosto de criar, lá tenho liberdade pra tudo, e tenho me fascinado pelo erotico cada vez mais.
E sim, já recebi algumas críticas por estar no Only Fans, e me relembro toda vez que isso acontece que, usar o meu corpo seja como arte ou com o próprio erotico é uma escolha minha e ninguém pode me dizer o que tenho que fazer. Faço terapia para me ajudar a manter os pés no chão porque algumas críticas podem te destruir emocionalmente.
No final das contas eu sou uma mulher e não uma santa, sagrado é permitir meu corpo se expressar como ele quiser e deixar que ele viva meus desejos como mulher e ser humano.”
Only Fans e empoderamento feminino
Apesar das controvérsias de pontos válidos levantados por muitas mulheres, como acessibilidade à plataforma (já que atualmente a plataforma só existe em inglês) ou falta de fiscalização o suficiente (com respeito à menores de idade), é preciso reconhecer que o Only Fans trouxe uma mudança significativa - a possibilidade das mulheres trabalharem com o corpo e receberem por isso diretamente, sem uma terceira pessoa envolvida como intermediária.
Com isso, o poder passa para a mão da mulher, trazendo mais liberdade e evitando certos abusos da indústria pornográfica.
E aí, você já usou a plataforma? Conta pra gente se você acha que Only Fans e empoderamento feminino é possível.