Não existe empoderamento feminino sem empoderamento sexual. A liberdade sexual, mais do que “legal de ter”, é importante para a vida harmônica em sociedade como um todo. Os países mais prósperos do mundo também carregam em suas leis e culturas uma maior tolerância e apoio à liberdade sexual de todos. Falamos de empoderamento feminino, mas o que é o empoderamento sem a liberdade sexual? Nada!

Ao ler você confere:

  • Significado e limitações dadas ao termo
  • Empoderamento feminino e liberdade sexual
  • Direitos da mulher e liberdade sexual
  • Os clichês: pequenas opressões sexuais diárias
  • Maternidade e sexualidade
  • Luisa Sonza e a exposição da sua liberdade sexual
  • LBGTQIA+: Liberdade sexual pra amar quem eu quero
  • Empoderamento sexual em que virar cultura
  • É importante ser verdadeira consigo
  • Empoderamento sexual feminino: vai incomodar

Liberdade Sexual: significado e limitações dadas ao termo

Antes de discutirmos sobre liberdade sexual, é preciso que se tenha o entendimento da palavra “sexualidade”. O termo vem do latim sexus, que significa “gênero, estado de ser macho ou fêmea”, relacionado a secare, que faz referência a“dividir, cortar”. A sexualidade é algo da própria natureza humana.

Discorrendo sobre, a sexualidade de uma pessoa pode ser entendida de várias formas. Ela pode fazer referência à atração pelo outro, à busca pelo prazer, descoberta das sensações proporcionadas pelo contato ou toque, dentre diversas outras características.

Para Foucault, o discurso científico sobre sexo, ainda no século XIX, é permeado de ofuscações sistemáticas. O mesmo diz que a sexualidade não é aquilo que o poder tem medo, mas é aquilo que se usa para seu exercício. Sim, exercer a nossa sexualidade pode nos dar poder. Nas sociedades ocidentais, durante séculos, o tópico em questão poderia ser abordado, mas somente no viés de proibição, algo que não deveria ser feito. Naquela época, a sexualidade mais aprisionava do que libertava.

Mas isso para as mulheres, claro. A liberdade sexual da mulher está longe de se assemelhar à dos homens. São anos e anos de opressão, no qual a virilidade masculina vem sempre à frente da virilidade feminina. Há não muitos anos atrás as mulheres se viam forçadas e obrigadas a ter casamentos arranjados, viver infelizes e em uma relação infiel. Não podemos esquecer do pensamento retrógrado de que “mulher virgem é para casar e mulher sem vergonha é para transar”.

Foi preciso muita luta, muita resistência e muitas mortes para que as mulheres pudessem ocupar o lugar que ocupam hoje e, mesmo assim, muitas ainda são mortas, estupradas e julgadas diariamente por uma sociedade que ainda não está acostumada com a liberdade sexual feminina.

Empoderamento feminino e liberdade sexual

empoderamento feminino e liberdade sexual
Foto por Womanizer Toys via Unsplash

Já parou pra pensar que você pode despertar o seu poder por meio do conhecimento da sua própria sexualidade? E não estamos falando apenas do aspecto psicológico que vem ao se sentir livre, mas também sobre o fisiólogico: não oprimir nossos desejos carnais nos leva à liberação de hormônios que nos deixam mais felizes, confiantes e saudáveis. Você sabia que a cada orgasmo há uma liberação direta de endorfina e dopamina, responsáveis por nos manter mais alegres e motivados?

O empoderamento não diz respeito a apenas um aspecto da vida de uma mulher. Ele é repleto de caminhos e abrange diversas áreas - seguir uma carreira, entrar em relacionamentos, ser mãe ou não ser. O empoderamento sexual vem, além de quem passa a ter o entendimento sobre o próprio corpo a ponto de alcançar a satisfação pessoal e sexual, com leis e inovações que facilitam e promovem o bem-estar sexual.

Já imaginou como era a vida da mulher antes da criação e legalização das pílulas anticoncepcionais? E no âmbito pessoal, já percebeu que, quando passamos a dialogar mais no relacionamento sobre as nossas necessidades (sexuais), conseguimos nos conectar ainda mais?

Não tem nada pior que se sentir fora do seu próprio corpo ou não ter poder ou controle sobre ele. Assuntos que passam por ciclo menstrual, métodos anticoncepcionais e  masturbação devem se fazer entendíveis aos olhos das mulheres para que estas possam decidir o que melhor lhes cabe. E aí que entra a relevância da liberdade sexual para o empoderamento feminino.

E claro, precisamos mencionar os aspectos pessoais e culturais: quero ter a liberdade de poder falar e exercer o que me é por direito. Por que não posso interromper o sexo e falar “ei, eu também quero gozar!”. Por que não podemos transar com quem quisermos e quando quisermos, sem ouvir comentários desagradáveis? Por que esconder o absorvente e falar baixinho que precisa de um em ambientes públicos? A menstruação não é um nojo e deve, urgentemente, deixar de ser um tabu - é questão de saúde pública para metade do planeta. Por que não podemos falar dos nossos desejos mais profundos e sexuais sem ser vistas como "depravada, sem vergonha ou vulgar”?

De nada adianta estarmos empoderadas sexualmente e não sermos livres para exercer isso.

Direitos da mulher e liberdade sexual

Se engana quem pensa que a liberdade sexual para a é uma pauta nova. A discussão sobre os direitos da mulher faz parte da luta dos movimentos feministas há muitas gerações. O que conquistamos até aqui?

1957: A primeira marca de anticoncepcional foi lançada no mercado dos Estados Unidos.
1962: Mulheres casadas não precisam mais da permissão do marido para trabalhar.
1977: A lei do divórcio passou a vigorar e as mulheres poderiam, finalmente, ser livres quando desejassem.
2002: A falta da virgindade deixou de ser crime. Sim, até o início do século XXI a falta da virgindade era vista como um crime e permitia que o homem solicitasse o anulamento do matrimônio caso descobrisse que a mulher tinha tido relações sexuais antes.
2006: É sancionada a lei Maria da Penha no Brasil.
2015: Aprovada a Lei do Feminicídio no Brasil.
2018: A importunação sexual feminina passou a ser crime.

O Ministério da Saúde possui uma cartilha que discorre sobre direitos sexuais e reprodutivos (tanto masculinos, quanto femininos). Dentro do direito reprodutivo está a liberdade de escolher ter filhos ou não, direito ao conhecimento sobre métodos que previnem a gravidez e o direito de exercer livremente a sexualidade sem discriminação ou violência. No direito sexual, está o direito de expressar livremente a sexualidade, direito de escolher o parceiro, direito ao sexo seguro, direito a não fazer sexo, dentre outros.

Os clichês: pequenas opressões sexuais diárias

Os julgamentos que limitam a liberdade sexual da mulher começam desde a pré-adolescência, quando não se é permitido falar abertamente sobre menstruação. Depois passa para adolescência, onde o sexo sem comprometimento é visto como “coisa de mulher fácil”, mas para os homens significa que eles “estão crescendo. Esse é o meu garoto”.

Já na vida adulta, a mulher que transa no primeiro encontro, que fala abertamente sobre a sua sexualidade ou que se veste como bem entende é tida como vulgar. Precisamos falar também da mulher bêbada que “é feio e muito mal visto”. Não podemos esquecer da maternidade. Esse é um tópico sensível e que precisa ser discutido urgentemente.

“Você já tem filhos, se preserve!”: maternidade e sexualidade

“Existe um filho? Existe! Mas existe uma mulher também!”, foi o que desabafou a atriz e mãe do pequeno Rael, Isis Valverde. Em 2020, durante uma live com a jornalista Mônica Salgado, ela contou que por muito tempo recebeu diversos comentários machistas nas suas redes sociais. "Eu tirava uma foto na piscina, e as pessoas me julgavam. Diziam que era a babá que criava o meu filho”, relata.

Também chamado por alguns de “mom-shaming”, diminuir a liberdade de uma mulher apenas por ser mãe é, infelizmente, comum nos dias de hoje. Quanto mãe, a falta da liberdade sexual entra a partir do momento que nos privamos dos prazeres da vida por puro medo do julgamento alheio.

Summer in France with baby
Foto por Dakota Corbin via Unsplash
Porque se, após um dia inteiro dedicando a vida ao trabalho e ao filho, formos à festas e transarmos com quem quisermos, seremos vistas como péssimas mães.

E a mãe solteira, que além da sua maternidade ser constantemente desafiada por outros pela falta do pai da criança, é constantemente pressionada a encontrar um novo parceiro? É sempre um “essa criança vai crescer sem pai?” ou “mas porque você não arranja um namorado?”. A liberdade sexual também está nas situações que o nosso não é escutado, compreendido e aceito. Toda mãe tem direito a não querer um parceiro. Assim como ela também tem o direito de ter um parceiro. Assim como ela também tem direito a ter vários parceiros. Isso nunca mediu, não mede e jamais medirá o seu papel como mãe.

A liberdade sexual na maternidade precisa ser mais discutida e difundida na sociedade atual. O paradoxo antigo e complexo de que a mulher está na posição “construtora da civilização” como mãe e que isso irá lhe custar o erotismo e a sua potencialidade sexual é, no mínimo, ultrapassado.

Luisa Sonza e a exposição da sua liberdade sexual

A cantora sempre divide opiniões quando o assunto é empoderamento feminino. Em uma entrevista concedida à revista GQ, Luisa deixa claro que a sociedade ainda tem um longo caminho a percorrer quando o assunto é a liberdade sexual feminina.

A liberdade sexual, principalmente no caso específico da Luisa Sonza, vai além de ser permitida legalmente a fazer o que bem entende. A forma na qual as pessoas reagem à maneira que a cantora expressa a sua liberdade diz muito das imposições indiretas que a sociedade estabelece sobre a mulher.

“Sempre tive muitas influências da cultura pop internacional, e quando a gente traz um pouco dessa ‘ousadia’ para cá, as pessoas muitas vezes não interpretam tão bem. Desde muito nova nós mulheres somos cobradas a sermos ‘perfeitas’ e moldadas do jeito que os homens querem… E essa cultura pop e toda minha base familiar, me fizeram entender e aprender que não, a gente pode sim ser livres para traçar nossos objetivos e ser dona de nossos desejos”, conta.

Por um longo período de tempo a artista recebeu os mais diversos tipos de xingamento por vestir-se da forma que desejava, por expressar a sua sexualidade da forma que queria, por falar o que pensava e por suposições feitas acerca do seu antigo relacionamento. Mas se engana quem pensa que Luisa Sonza deixou barato todos esses anos sendo chamada de “puta”, “vagabunda” e “interesseira”. Pelo contrário, a cantora pegou todos esses ataques e os transformou em arte.

Se essa trajetória parece familiar pra você, é porque é mesmo - a Madonna sofreu vários boicotes à sua carreira na década de 80 por ousar e expor a sua sexualidade como mulher. E muitas outras mulheres que lutam ou lutaram pela emancipação feminina compartilham de histórias parecidas.

LGBTQIA+: Liberdade sexual para amar quem eu quero

Foucault, como um autor que discutiu bastante sobre sexualidade, deu destaque à questão da homossexualidade. Ele relembra que, por volta dos anos de 1870, os psiquiatras passaram a considerar pessoas consideradas gays e lésbicas como objeto de análise médica.

Ainda que hoje o casamento homossexual seja permitido por lei, ainda que falemos sobre diversidade e inclusão diariamente, o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ do mundo pelo quarto ano consecutivo. Ao olhar as estatísticas, nos perguntamos: por que ainda não somos livres para amar quem amamos?

liberdade sexual e LGBTQIA+
Gráfico representando países mais favoráveis e menos favoráveis à homossexualidade 

Se a sociedade em que vivemos entendesse que a liberdade sexual, na lei e na cultura, é parte essencial para vivermos felizes, em paz e mais produtivos, alguns problemas que enfrentamos hoje não seriam problemas. Não é por acaso que os países mais amigáveis para pessoas da comunidade LGBTQIA+ são também, em sua maioria, países mais prósperos e seguros para se viver. Entre eles, estão: Canadá, Holanda, Suécia, Alemanha, Taiwan e Austrália.

É muito importante fazer esse paralelo pois, quando não nos preocupamos com quem o nosso vizinho ama, essa pessoa se sente confortável para entrar em qualquer espaço e seguir qualquer que seja seu sonho. Com isso, a diversidade e liberdade sexual é relevante para a situação econômica de um país, visto que mais pessoas motivadas adentrando o campo de trabalho signifca mais prosperidade como um todo. Em resumo, queridas leitoras dos Lábios Livres, é isso: a liberdade e o empoderamento sexual afetam diretamente a nossa qualidade de vida.

liberdade sexual e comunidade LGBTQIA+
Foto por Masha S via Unsplash

Empoderamento sexual tem que virar cultura

É que não basta ser empoderada sexualmente, é preciso ter o direito não só legal, mas cultural de exercer isso. De nada adianta termos a conversa sobre os direitos das mulheres mas sermos linchadas e mortas por exercermos eles.

Queremos ser livres para sermos o que quisermos e como quisermos. Queremos falar sobre sexo e fazer sexo naturalmente. Queremos beijar das mais diversas bocas. Queremos sair, dançar, beber, gritar e ter um tempo de qualidade sem sermos assediadas, estupradas, ou mal vistas pela sociedade. Queremos muito, mas temos pouco.  

Para virar cultura, é importante ser verdadeira consigo

É essencial não se calar diante da opressão sofrida. Converse com um amigo ou amiga sobre. Marque uma terapia e desabafe o que precisa desabafar.

O silenciamento de muitas mulheres e a pressão que é imposta pela sociedade faz com que o assunto seja cada vez menos pautado e mais visto como um equívoco. Sim, porque não faz muito tempo desde que assistimos diversas mulheres julgarem e atacarem a Luisa Sonza por simplesmente aproveitar a sua sexualidade sem medo dos julgamentos. Essas mulheres, possivelmente, já foram reprimidas em situações que expressaram abertamente a sexualidade e passaram a entender essa forma de opressão como correta.

Empoderamento sexual feminino: vai incomodar

Se não é visto como normal e natural, vai incomodar. É preciso olhar para trás, rever o passado, compreender o presente para, só então, mudar o futuro. A forma como a sexualidade está regulamentada deixa dúvidas se não vivemos, ainda, uma certa opressão.

Não é questão de “viver como os homens vivem”, “ser como os homens são”. É de viver como nós, mulheres, queremos viver e ser como nós, mulheres, queremos ser. Mas como nós realmente somos, e não como fomos moldadas e estimuladas a ser.

Fale o que quiser falar, pergunte o que quiser perguntar e experiencie o que quiser experienciar. A mulher que passa a conhecer da sua própria sexualidade é dotada de um poder que nenhum opressor jamais conseguirá derrubar.