por Juliana Tornizielo, médica obstetra e parteira
A sexualidade feminina vai muito além do que apenas sexo, ela é o conjunto de relações e ações das pessoas consigo mesmas e com os outros, ela envolve fatores sociais, intelectuais, somáticos e emocionais, sofre influência da personalidade, da comunicação e da capacidade de interagir. De modo geral, ela é parte integral da personalidade do ser humano, uma necessidade básica que não pode ser separada de outros fatores. A gravidez, parte da jornada feminina, não deve ser excluir a sexualidade da mulher. Nesse texto, vamos falar sobre os mitos e verdades sobre sexo na gravidez.
Sexo: o assunto proibido
Desde pequenas mulheres são ensinadas a não explorar o lado sexual, assim como quando nossa família falava “menina só senta de perna fechada”, “tira a mão daí que é sujo” (quando estávamos com a mão na vulva, por exemplo). Inclusive pelo nome que a vulva recebe, nenhum nome é atrativo, todos são infantilizados ou com significados não muito legais (como perereca, perseguida, borboletinha, etc- nomes sempre no diminutivo, sem conotação sensual).
Assim que entendemos o poder que a sexualidade tem perante nós isso começa a mudar, e conforme vamos ficando mais velhas e buscando novos conhecimentos também.
E como mudar? Com conhecimento do nosso corpo, de quem nós somos, do que gostamos, uma ida a uma cafeteria que gostamos pode ser um ato sexual, e tudo isso junto nos leva a orgasmos mais potentes, nos leva a maior criatividade (sim, a nossa sexualidade está relacionada com o nosso processo criativo), nos torna mais confiantes, nos leva a termos melhores poderes para decisões e nos torna menos tímidas.
Sexo (ainda) é tabu! Os prazeres femininos são reprimidos e permeados de muitos mitos, no período gestacional isso aumenta ainda mais.
Gestantes também sentem prazer
Existe a crença de que gestantes não devem ter relações sexuais, ou mesmo sentir desejo. Ainda há, para muitas, medo de machucar o bebê, de sofrer um aborto ou mesmo de um parto pré maturo. E, na verdade, essas ideias se devem pela falta de informação com credibilidade. Cientificamente, mulheres podem ter relações sexuais, de modo que se sintam confortável com as posições.
A expressão do desejo sexual depende da forma como essa mulher se percebe, se avalia e se valoriza, e isso não é diferente na mulher grávida. Os conflitos internos podem ser percebidos pelo casal, por isso a comunicação é de extrema importância, já que a relação sexual traz vários benefícios como: dissipar energias acumuladas, aliviar tensões, tranquilizar a dupla, aumento de vínculo e a gestante passa a se sentir amada e desejada – principalmente quando se encontra fragilizada e com a autoestima abalada- o que acaba por reduzir os desconfortos da gestação.
Existe também, em muitos casos, a alteração da imagem corporal, mudanças de humor, alterações físicas como aumento do peso, mudança das zonas erógenas, aumento de transpiração, seios maiores e mais sensíveis, crescimento uterino, dentre outros. Além de náuseas, vômito, diminuição da lubrificação e adaptações aos novos papéis; que variam ao longo dos trimestres e modificam as percepções e desejos ao longo da gestação.
No primeiro trimestre (até 12 semanas) o interesse sexual diminui, devido a alterações fisiológicas, morfológicas e psicológicas, são elas: alterações na região pélvica, aumento da sensibilidade das mamas, mal estar, vômito, náuseas, alterações urinárias, fadiga, constipação, nos fatores psicológicos temos a ambivalência, oscilações de humor e o medo de abortar.
Já no segundo trimestre (entre 12 e 25 semanas) se tem o período mais ameno da gestação, a gravidez se encontra estabilizada, melhora a disposição e com isso a libido. É um período também de maior irrigação sanguínea dos seios, da pele e dos órgãos sexuais, o que faz com que os orgasmos sejam mais intensos.
No terceiro trimestre (26 semanas até o nascimentos) a indisposição volta por conta da dificuldade de respirar, o inchaço nas pernas, a preocupação/ ansiedade com o parto, alteração da pressão arterial, retenção de líquido, fadiga, câimbra, liberação de endorfina (que reduz o desejo sexual), a presença de contrações, fora o medo de parto prematuro ou de machucar a criança.
O que acontece, também, em todos os trimestres é a falta de posição durante o sexo, pois nem todas são confortáveis. Não existe uma que seja ideal, existe aquela que é a melhor para o casal, por isso devem buscar novas posições, testar e tentar, ver qual é confortável e qual não é. Geralmente, posições de lado são mais confortáveis, apoiar as costas em algum travesseiro faz com que a mulher tenha menos falta de ar e desconforto, posições mais verticais também costumam funcionar.
Uma dica: tente, vá mudando, veja a que gostam mais.
Todas as pessoas grávidas podem e devem transar se assim o quiserem
O sexo ajuda o tônus muscular, aumenta a capacidade de sentir orgasmos e facilita a hora do parto. Só requer cuidado quando se tem perda de liquido em grande quantidade, ameaça de aborto, sangramentos, dores durante a relação e infecções.
Vale lembrar que a penetração não é a única forma de sexo, há diversas maneiras de sentir prazer, como com masturbação, massagem, sexo oral, caricias, beijos, abraços, fantasias, uso de brinquedos e preliminares. Aproveitem esse momento para explorarem novas áreas, onde sentem ou não prazer, se toquem, se conheçam!
Por que o sexo não machuca o bebê?
Muitas de vocês, mulheres, devem ter essa dúvida, hoje vamos descomplicar e te explicar o motivo do sexo não machucar e nem encostar no bebê.
O bebê está no útero, protegido pela bolsa, dentro da bolsa existe o líquido amniótico que serve também como proteção, além disso existe o colo do útero.
Durante a relação sexual a penetração acontece na vagina, que “aumenta” de tamanho durante o ato, podendo chegar em até 15 cm; o colo do útero se projeta para trás consequentemente o tamanho da vagina muda, essa projeção do colo também evita o contato do pênis/ mão/ brinquedo com a bebê. O colo é um canal, que costuma estar fechado durante a gestação, possui orifício interno e externo (sendo o externo o que fica em contato com a vagina) e por esse motivo serve como barreira.
Caso a mulher tenha vontade de transar durante o trabalho de parto, não tem problema, o casal pode. Inclusive, o sexo libera ocitocina - um dos hormônios principais do trabalho de parto, responsável pelas contrações, consequentemente em algumas relações pode ser que a mulher venha a tê-las, o que não necessariamente indica trabalho de parto. Às vezes as contrações podem ser de treinamento.
Quando devo tomar cuidado?
São poucas as situações em que o sexo é proibido ao longo da gestação, como não se fala sobre, a informação fica isolada. Caso sintam-se confortáveis, conversem com os profissionais que estão dando suporte durante a gestação, eles saberão passar informações detalhadas. Lembre-se: o sexo não é proibido. Se essa informação chegar até você, questione o motivo.
O sexo não é proibido mas existem situações que requerem mais atenção. Caso você vivencie alguma delas, interrompa o ato.
1. Perda de líquido em grande quantidade
A perda de líquido em grande quantidade pode indicar que a bolsa estourou, a relação sexual não deve ser realizada para evitarmos possíveis infecções.
Como saber se realmente é a bolsa? A bolsa possui um cheiro similar ao de água sanitária, e continua vazando por mais um tempo, uma hora diminui, mas não chega a parar 100%.
Fique atenta mas não precisa sair correndo para o hospital se realmente for a bolsa, observe a cor do líquido e o cheiro. Se for transparente ou branca, pode continuar em casa. Caso seja verde ou amarelo, vá para o hospital.
Algumas mulheres, no final da gestação, possuem aumento de muco vaginal e o confundem com o líquido amniótico, principalmente por ele sujar a calcinha/ roupa. Não se preocupe. Se isso ocorrer com você, o aumento do muco é comum e não é um sinal de emergência e nem de trabalho de parto. Pense que a principal diferença entre ele e o líquido é o cheiro.
2. Ameaça de aborto
O sexo estimula contrações, portanto, caso durante a gestação você tenha ameaças de aborto, ele deve ser evitado. Porém, não há nada que comprove que o sexo na gravidez estimule o aborto o parto prematuro.
Possíveis sinais de ameaça de aborto: perda de liquido em grande quantidade, contrações e/ou cólicas ritmadas, sangramento vermelho vivo e em grande quantidade, dor pélvica tipo cólica.
3. Sangramento
Sangramentos durante a gestação nem sempre nos indicam que alguma coisa está errada. Em alguns casos e idades gestacionais, é comum acontecer, por isso procure avaliação profissional para saber se no seu caso está tudo bem. O recomendado é evitar a penetração quando estiver com sangramento.
4. Dores durante a relação sexual
Não só quando estiver grávida, mas sempre quando estiver com dores durante a relação interrompa o ato, o sexo deve ser prazeroso para todas.
5. Infecções
Algumas infecções, principalmente as vaginoses, precisam mesmo que o sexo seja evitado, principalmente pelo risco de novas infecções. e é por isso que na gestação seguimos o mesmo principio.
Em alguns casos até (exemplo quando a infecção é tratada e a mulher tem os sintomas de novo) o parceiro/a também deve receber o tratamento.
Devo continuar usando camisinha mesmo grávida?
Sim! A camisinha não serve apenas para evitar gravidez, ela é o único método contraceptivo que também evita a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), por isso deve e pode ser usada enquanto você estiver grávida.
Alguns casos em que seu uso é indispensável: quando você não tem um parceiro(a) fixo(a), quando você não se sente segura e em caso de vaginoses recorrentes. De modo geral, o principal com relação ao sexo na gravidez é desconstruir as barreiras impostas, é mudar o pensamento, é sair do tabu.
Caso você não se perceba dentro de nenhuma das situações perigosas, aqui vão algumas posições confortáveis para você testar com o parceiro(a):
Em pé (com apoio na parede); de joelhos (abraçados de joelho); cachorrinho (essa posição pode ser mais confortável até os três primeiros meses, por conta da coluna); colher (feita com ambos de lado, essa posição pode ser realizada durante toda a gestação).
Maca Peruana
Fique atenta! Para aumento de libido é super comum o consumo de Maca Peruana, vegetal crucífero comum na região dos Andes no Peru. Além de ser rica em vitaminas, equilibra os hormônios mas NÃO é indicada para grávidas e mulheres que amamentam.
Em 2019, chamado de “kit para engravidar” se espalhou nas redes sociais e foi investigado no Brasil. Segundo a BBC: “Perfil divulga cápsulas como solução para engravidar em 30 dias, um comércio que, segundo a Anvisa, não é permitido”. Por isso, gravidinhas atenção com as propagandas e informações que não são de credibilidade. A sua saúde e a saúde do seu bebê são as mais importantes.
Grávidas podem e devem transar, grávidas também possuem desejo sexual. Explorem os corpos, veja o que gostam ou não, não se fixem numa ideia, o principal é fazer o que vocês gostam e ir em busca do prazer mútuo.
Para saber mais sobre sexo na gravidez, leia também a reportagem da revista e portal Pais&Filhos, maior criadora e curadora de conteúdo sobre família do país desde 1968.