Uma prática de conexão

Quando se pensa em sexo tântrico, qual a primeira coisa que te vem à cabeça? Provavelmente uma ideia mística de sexo mágico, onde almas se encontram e você tem um orgasmo cósmico; ou a única coisa que você já ouviu falar é daquela amiga da sua amiga que fez massagem tântrica e desde então, começou a cancelar os compromissos de fim de semana para visitar a tal casa de massagem. Sexo tântrico desperta curiosidade e mexe com o imaginário coletivo, pois ainda é um assunto cheio de tabu, desenconcontro de informações e, ao mesmo tempo, surge como a possibilidade de uma revolução sexual, propondo uma conexão além do físico e descobertas de outros caminhos que levam ao orgasmo.

Tantra: do Oriente para o Ocidente

O Tantra é uma filosofia que surgiu há mais de 5 mil anos, tendo a sua origem pela cultura Drávida, povo que vivia no vale do Rio Indo, onde hoje é conhecido como Paquistão. A palavra Tantra é um termo sânscrito que  significa “ Uso, Trama, Tecer, Teia”, é uma palavra composta por duas raízes “Tan” que significa expansão e “Tra” que significa libertação. Os Drávidas eram povos pacíficos de autoconhecimento e elevação espiritual e intelectual, seguiam uma estrutura védica e uma filosofia comportamental com características depressoras, matriarcais e sensoriais. Não existiam julgamentos na cultura Drávida sobre o “bem e o mau” ou sobre o “errado e o certo”, pois eles acreditavam que essa polaridade era necessária para haver um equilíbrio. Para eles cada indivíduo deveria ser reverenciado como uma divindade, respeitado e exaltado, principalmente as mulheres como a própria Deusa Shakti, pelo milagre de gerar outra vida e produzir o alimento para o bebê. Viviam de forma meditativa e acreditavam que nada poderia ser reprimido.

Há aproximadamente 850 anos as estruturas literárias passaram a ser escritas através dos “Shastras” (escrituras sagradas de revelações divinas), com a invasão dos povos Arianos entre 2.000 a 1750 anos a.C, aquela cultura matriarcal e repressora tivera os seus ensinamentos calados, esquecidos e deturpados por conta daquele povo patriarcal que ali habitaram, e escravizaram os Drávidas , pouco se falava sobre Tantra desde então, porém algumas pessoas ainda conseguiram levar seus ensinamentos para diversas partes do mundo.

Mas, como o tantra chegou no ocidente e por qual motivo seu nome esta ligado ao sexo?

Primeiramente, gostaria de enfatizar que essa é uma visão limitada e muito superficial de uma filosofia milenar que influenciou muitas práticas espirituais pela história. O sexo faz parte do tantra, mas o tantra nao e sexo. A filosofia foi evoluindo, se segmentando e se modificando e hoje temos várias vertentes, muitas vezes que seguem conceitos nitidamente contraditórios. É como na tradição cristã onde temos os protestantes, os católicos, os evangélicos, os adventistas, etc… Porém, assim como no cristianismo, todas as vertentes tântricas tem esse objetivo em comum: Expandir a consciência e libertar a energia primal do ser humano (Kundalini) através de um vasto leque de ensinamentos práticos.

O tantra chegou nessa fama de apelo sexual,  Nos Estados Unidos da década de 60 surgiu um movimento chamado Neo Tantra, que foi responsável pela popularização de alguns ensinamentos tântricos, porém “adaptados” para a cultura ocidental, incentivando a visão sexual que o Tantra tem hoje. O sistema Neo-Tântrico fugiu da visão existencialista original e muitas vezes não trazem com clareza o que a filosofia oriental representa divulgando uma banalização do sexo e o incentivo a valorização do jogo da sedução nos relacionamentos.A introdução dessa vertente é atribuída a Pierre Bernard , um ocultista e filósofo que criou uma “Ordem Tântrica” nos EUA em 1905. Pierre propagandeava, entre outras coisas, sua visão de que o sexo poderia ser utilizado como ferramenta para uma elevação espiritual. Essa mescla de técnicas de massagens, manuais eróticos orientais como KamaSutra, Ayurveda, Yoga e arte erótica hindu, se propagou rapidamente pelo Ocidente sendo replicado e reinventado por mestres como Osho, Mantak Chia, Charles Muir, Margot Anand, Deva Nishok, etc. Essa vertente busca principalmente a melhora da experiência do ato sexual e ajudar as pessoas a terem melhores orgasmos.

Sexo tântrico

O sexo no Tantra é visto como algo natural e sagrado. É uma dos meios, através principalmente do Maithuna (ritual sexual tântrico) de se alcançar a iluminação através da elevação da Kundalini. Portanto, para o Tantra, não existe sexo sujo, não existe o conceito de “certo” ou “errado” e nem depravado como a nossa sociedade judaico-cristã pensa. Nosso corpo é sagrado e foi concebido através de um ato igualmente sagrado, segundo o que os praticantes de tantra acreditam.

Infelizmente, para nós ocidentais, essa linha de pensamento naturista para com o sexo abre muitas portas para usarmos o Tantra como argumento e reprodução dos modelos machistas de dominância, de sedução e desculpas para traições, relações abusivas, orgias, etc… isso não é Tantra. Para o tantrismo a relação sexual é um momento em que os amantes se libertam do seu ego e estão em estado de meditação. Não existe nenhuma relação de dominância, as energia se equilibram e se misturam e a consciência está no momento, nas sensações. É quando há uma relação plena de confiança e respeito, vulnerabilidade e reverência um pelo outro. Um caminho de intimidade profunda. Quando o orgasmo genital deixa de ser prioridade e a conexão dos sagrados masculino e feminino prevalece. E nesse ponto não existe homem ou mulher, não existe sagrado ou profano. Só existe o êxtase, a consciência e a iluminação. Quando há uma relação abusiva e possessiva. De dominância, submissão, desconfiança, sofrimento, carência, raiva ou qualquer relação em que não haja equilíbrio entre a união dos divinos masculino e feminino não é Tantra.

Osho e sexo tântrico
Osho e sexo tântrico

Osho dizia: “Deixe o sexo ser uma brincadeira.” Se há algum manual para fazer sexo, ele não vai ser uma brincadeira. No sexo sagrado você tem que deixar seu ego e seu egoísmo de lado. Esquecer da sua potência, sua ereção, suas atitudes, seu corpo e sua performance. Você tem que estar relaxado o suficiente para entrar num estado de “não-mente” e não ter script a seguir. O sexo sagrado é uma dança e uma celebração natural.

As práticas tântricas que usam do intercurso sexual não constituem o cerne da filosofia tântrica e, na maioria das vezes, são interpretadas de maneira errada pelo ocidental. Elas são praticadas com mais periodicidade nas escolas de “Esquerda” ou negativa do Tantra, onde infelizmente, muitas das práticas se tornaram verdadeiras orgias, devido ao baixo nível espiritual dos seus praticantes. Tantra não é sobre sexo. É sobre consciência. Consciência da sua vida, de seus sentimentos, emoções e do seu corpo. Dentro desse bolo todo a sexualidade é uma energia forte que está naturalmente inclusa. E que quando conhecida e controlada, pode te levar a estados de amor, prazer e empoderamento e consciência elevadíssimos.

É importante alertar para os casos de assédio que acontecem, infelizmente, muitas vezes em sessões de massagem tântrica. Em 2019, a Folha de S. Paulo divulgou que Tadeu Horta, 61, mais conhecido como Guru Deva Nishok estava sendo investigado por abuso sexual. Tadeu era guru do Tantra e de meditação e foi acusado de violentar uma de suas voluntárias à época. Em resposta à Folha, o guru afirma desconhecer os episódios. Nas redes sociais, Deva Nishok se apresenta como seguidor do controverso líder OSHO.* A partir do centro de OSHO, o guru foi batizado com o nome que é conhecido.

*A história da seita de OSHO é retratada na série “Wild Wild Country", disponível na Netflix.

Ao ministrar cursos sobre o “sagrado feminino”, Deva cobrava até R$8,9 mil reais por quatro semanas. Sob o pseudônimo de Laura S. ao The Intercept Brasil, a vítima afirma que: “aquilo ali de sagrado não tem nada”. A reportagem afirma ainda que idolatria e medo são os dois sentimentos provocados pelo guru. Confira um trecho do relato:

“(...) Durante uma sessão de massagem, o guru fez sexo oral nela – técnica que só deve ser usada entre casais, chamada por ele de ‘extrusão’ –, ficou nu e pediu que ela tocasse seu pênis, um “condutor de energia”. Lara resistiu, mas me disse que Nishok só parou quando ela começou a chorar muito.”

Sexo Tântrico x Massagem Tântrica

Assim como o Tantra não se resume ao sexo, o mesmo ocorre com as massagens tântricas. A atenção aos sentidos e seus estímulos estão presentes em ambas as práticas e, por isso, compõem o que chamamos de Tantra. Introduzida no Ocidente por discípulos de OSHO no final do século XX, a massagem tântrica desde então é usada para fins terapêuticos.

Dentre seus benefícios estão: expandir o potencial orgástico do corpo; ressignificar o sexo para seres humanos; criar hábitos neurais mais saudáveis; remover bloqueios sexuais. De forma mais aprofundada, as massagens possuem níveis.

O nível básico consiste em acordar todos os agentes do corpo através da sensibilidade da pele, o maior órgão do corpo humano. Ela desperta a bioeletricidade do corpo, aqueles "arrepios" repentinos. Em outro nível, há a massagem nos órgãos sexuais femininos e masculinos, chamados de Yoni Massagem e Lingam Massagem.

O Lingam, em sânscrito significa “coluna de sustentação”, “pênis” e também é chamado de Lingam de Shiva, pelo Deus Hindu, com objetivo de intensificar a vibração do sistema de energia. Yoni, também em sânscrito, significa “portal da vida” ou “vagina”. O toque na Yoni é especial e deve ter diferentes manobras normalmente aplicadas em movimentos masturbatórios. Durante as sessões há relatos de mulheres que têm de 01 a 30 orgasmos.

Mitos que cercam a prática

1. Tantra é religião

Apesar de algumas vertentes tântricas idolatrarem deuses hindus, a filosofia em si os trata como uma força divina que está dentro de você. Ou seja, a figura de Shiva como o criador do universo e a força passiva que cria e conecta tudo e todos e a figura de Shakti como a manifestação física e ativa desse todo podem ser interpretadas como as forças masculinas e femininas presentes dentro da gente. Seria como o nosso inconsciente, que registra nossas experiências e que se manifesta indiretamente através de nossas ações, bloqueios, valores e sentimentos. Por isso, vale ressaltar que o Tantra em si não é religião.

2. Só é possível para casais heterossexuais

O Tantra é para todes! Como já mencionado, a penetração não é parte central do sexo tântrico nem para casais heterossexuais nem homossexuais.

3. É uma prática fora do sexo “tradicional”

O sexo tantrico deve ser inserido na sua rotina e agregar às suas relações amorosas/sexuais. Sua prática não significa que, antes da sua prática, você esteja fazendo sexo de forma errada. Afinal, não existe o certo e o errado quando há conexão e consentimento.

Profissionais do sexo tântrico

Para algumas práticas do sexo tântrico, o ideal seria um profissional para te auxiliar,  a exemplo do próprio pompoarismo, como falamos em nosso texto sobre “Yoni Eggs x Pompoarismo: do oriente ao ocidente’’. Separamos algumas profissionais que podem te auxiliar nessa jornada de sexo trancedental e autoconhecimento: Bel, Didy Reis, Renata Takey e Jéssica Luporinni.

E aí, você já se sente preparada para desmistificar o sexo tântrico e com vontade de praticar? Conta pra gente!